Na última semana (08/Nov/2017) o Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou seu relatório anual de consolidação das fiscalizações de obras, o FISCOBRAS 2017. Nele são apontadas graves irregularidades em obras públicas em 72 das 94 (76,5%) obras públicas federais de grande porte auditadas. Dentre estas, 11 receberam indicativo de paralisação de contratos específicos devido ao potencial de prejuízo causado aos cofres públicos.
São elas:
- Canal do Sertão (AL);
- Obras de construção da BR-235 (BA);
- Adequação da travessia urbana em Juazeiro (BA);
- Construção da fábrica de hemoderivados e biotecnologia (PE);
- Construção da Vila Olímpica (PI);
- Usina Termonuclear de Angra III (RJ);
- Obras de construção da BR-040 (RJ);
- Construção do centro de processamento final de imunobiológicos (RJ);
- Corredor de ônibus da Radial Leste – trecho 1 (SP);
- Corredor de ônibus da Radial Leste – trecho 2 (SP);
- BRT de Palmas (TO).
Graves irregularidades em obras públicas
A tipificação das graves irregularidades em obras públicas apontadas pelo TCU aponta prioritariamente para:
- Problemas de qualidade de projetos básicos e executivos – inexistente, deficiente ou desatualizado;
- Problemas de sobrepreço ou superfaturamento – pagamentos acima dos valores de mercado;
- Atrasos na execução das obras;
- Casos de restrição ao caráter competitivo da licitação.
Nada de novo aqui. Tratam-se de achados recorrentes apontados também no histórico das versões anteriores do relatório.
A precificação da ineficiência
O anúncio do relatório do TCU é mais um argumento a agravar a sensação de indignação, frustração e revolta que afloram do contribuinte. Este se percebe à mercê da ineficiência técnica e administrativa que propiciam o mau uso do dinheiro público, que o privam de usufruir das obras que necessita para garantir sua qualidade de vida atual e futura, que indispõem a adaptação da infraestrutura do país às condições necessárias de competitividade e que afetam o desemprego, punindo profissionais dedicados e qualificados que atuam no setor.
Segundo os cálculos do TCU, as medidas de correção propostas, incluindo as paralisações de contratos, podem implicar numa economia de R$ 3,5 bilhões aos cofres públicos.
Apesar de concordar e apoiar as recomendações do TCU, há que se refletir também sobre os impactos da paralisação de obras. Algumas delas já se encontram a 90% da conclusão.
Em artigos anteriores, este blog tem tentado alertar para a precificação da paralisação de uma obra. Em muitos casos, pode se tornar elevada mediante condições do potencial contencioso contratual e de despesas correntes associadas ao custo financeiro do investimento já realizado, à preservação das estruturas construídas e à contratação de serviços de contornos que atendam a demanda que a obra paralisada deveria garantir.
Na conta cabem ainda os custos intangíveis relacionados ao desemprego local, aos transtornos urbanos e insegurança de ambientes degradados e cercados por tapumes, além do custo de oportunidade.
Com a palavra, o Congresso Nacional
Após a aprovação, o relatório do TCU foi enviado ao Congresso Nacional de modo que as informações possam subsidiar a Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização (CMO) quanto à distribuição dos recursos orçamentários para 2018.
Na prática, cabe ao Congresso Nacional decidir se suspende ou não os recursos e se bloqueia os contratos denunciados na Lei Orçamentária Anual de 2018.
Soluções emergentes para o problema
Apesar de crônico, o problema da ineficiência das obras públicas nacionais dispõe de soluções potenciais que precisam ser analisadas e discutidas com profundidade e urgência, sob pena de, em persistindo o problema, este vir a interferir nas perspectivas de futuro do país.
Sem considerar o mérito, tais soluções passam por:
- Reformas na legislação que trata das contratações públicas e nas legislações satélites;
- Ampliação dos poderes e extensão das fiscalizações pelos órgãos externos de controle;
- Punição exemplar pelos crimes de corrupção e prevaricação;
- Certificação externa e acreditada de projetos de engenharia e de fiscalização de obras;
- Criação do cadastro geral das obras públicas para melhorar a transparência e facilitar o controle da execução dos empreendimentos;
- Uso de tecnologias emergentes, tais como o blockchain, a computação cognitiva e quântica etc.
Um novo modelo de contratações de obras públicas
De fato, o problema recorrente da ineficiência – com irregularidades em obras públicas – extrapola as soluções individuais em discussão dispostas nos âmbitos legal, técnico ou tecnológico. Trata-se de tema complexo que se estende a nossa origem e cultura. A pauta se revela como condicionante das perspectivas de futuro para o pais e, como tal, deveria ganhar prioridade no debate da sociedade.
Alonso Mazini Soler, Doutor em Engenharia de Produção POLI/USP e Professor da Pós Graduação do Insper – alonso.soler@schedio.com.br