Obras Públicas Inacabadas – o Problema dos Elefantes Brancos

Alonso Mazini Soler

Escrito por Alonso Mazini Soler

29 de setembro 2022| 12 min. de leitura

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Obras Públicas Inacabadas – o Problema dos Elefantes Brancos

Kleber Amorim, do jornal GazetaOnLine do Espírito Santo, publicou na segunda feira 26 de Junho de 2017, denúncia de obras públicas inacabadas no Estado. Citando a fonte do Tribunal de Contas do Estado (TCE-ES), o Jornalista afirma: O Espírito Santo tem hoje 315 obras paradas que já custaram aos cofres públicos mais de R$ 1,6 bilhão.
Apesar da magnitude bilionária dos números, que denota gravidade à notícia, infelizmente, essa situação não é exclusiva do ES. Aquele Estado, diga-se, é exemplo nacional na atenção à legislação de responsabilidade fiscal. Pelo contrário, trata-se de uma realidade comum e extensível à maior parte dos Estados e municípios nacionais, governados por correntes ideológicas diversas. Pecando pela generalização, a Administração convive, embora não subscreva, a máxima de que obras públicas não costumam terminar – e quando terminam, atrasam e custam mais caro que o previsto.

Impactos de obras públicas inacabadas

O impacto de obras públicas inacabadas se estende além do gasto realizado e da indisponibilidade do ativo público para a sociedade, verdadeira privação de usufruto de direitos e benefícios. Tão grave quanto, obras públicas inacabadas ou atrasadas impõem vultosos custos econômicos à sociedade.

Estes podem ser estimados a partir de critérios múltiplos que variam de acordo com o uso funcional da obra: perda de receitas relacionadas à produção, ao turismo, ao desenvolvimento econômico regional, etc. Encarecimento de despesas com operação, transporte, saúde, educação, improdutividades, e custos de oportunidade em geral.

Outros efeitos de obras públicas inacabadas

Além disso, “elefantes brancos”, obras públicas inacabadas atrapalham e enfeiam as cidades, impactando negativamente na desvalorização de imóveis privados, na insegurança, na redução da autoestima geral da população, na descrença com a política e com os políticos e na indisposição para a prática da cidadania. Obras públicas inacabadas implicam em despesas de manutenção e preservação da parcela parcialmente construída, consumindo orçamento operacional sem a contrapartida dos benefícios gerados pela disponibilidade pública dos ativos.
A contar ainda que obras públicas inacabadas, potencialmente, fomentam múltiplos e significativos litígios de natureza contratual nas relações com empreiteiras e fornecedores privados, onerando ainda mais o erário e, como num círculo vicioso, atrasando ainda mais o esperado retorno e término das obras prometidas.  

Causas para paralisação de obras

Falta de planejamento adequado, ineficiência da gestão e crise financeira são pilares mencionados com frequência para justificar atrasos, paralizações e sobrecustos de obras públicas inacabadas. Em artigo publicado por este blog em 03 de maio de 2017 (Atrasos e Sobrecustos em Obras Públicas de Infraestrutura) foram apontadas algumas origens recorrentes desses problemas.
Dentre os quais destacam-se:

  1. A superficialidade dos projetos de engenharia, utilizados na elaboração dos quantitativos e estimativas que fundamentam as licitações, incompatíveis com a complexidade técnica das obras;
  2. A legislação vigente, antiquada e incompatível com as boas práticas de mercado;
  3. A dificuldade de atendimento à gama de requisitos legais para a obtenção de licenças, alvarás, autorizações e registros;
  4. O excesso de burocracia imposta por órgãos de controle e a pouca proatividade na solução, de fato, de questões contratuais complexas características de obras públicas;
  5. O processo legal e financeiro relacionado com as desapropriações;
  6. As interferências imprevistas das obras com os ativos das concessionárias de serviços;
  7. O planejamento orçamentário inadequado, desprovido de análise de riscos e, geralmente, restrito ao prazo de um único exercício;
  8. A ineficiência da gestão de ambas as partes, Contratantes públicos e Contratados privados, representada pela indisponibilidade de efetivos, processos e sistemas, em quantidade e competências compatíveis com as demandas de planejamento, execução, gerenciamento, fiscalização etc.;
  9. As constantes mudanças de prioridades e/ou decisões políticas acerca de questões de competência técnica;
  10. A cultura histórica do segmento de construção de utilização de aditamentos contratuais etc.

Por que o ciclo de obras públicas inacabadas não encerra?

As justificativas que fundamentam problemas de atrasos, paralisações e sobrecustos de obras públicas inacabadas  são bem conhecidas e habitam o universo amplo da gestão técnica e administrativa das obras. Logo, questiona-se o porquê destas não estarem sendo enfrentadas e tratadas de forma direta, aprofundada e transparente por todos os envolvidos.
A revisão de procedimentos e conduta atualmente adotados pela Administração na condução de suas contratações de obras poderia implicar num alento à sociedade que paga caro pelo custo de não dispor de ativos públicos eficazes ao tempo, dimensão e qualidade adequados e necessários.

O atraso ou paralisação de obras públicos gera também o encarecimento de despesas com operação, transporte, saúde, educação, improdutividades, e custos de oportunidade em geral. Veja quais são os 5 principais impactos econômicos dessas paralisações. 

1) Custos afundados (sunk costs) e depreciação das obras públicas

Uma obra semiacabada (com mais de 50% de avanço) e paralisada, visível aos olhos, torna evidente o pouco caso dado pela Administração ao montante de investimento público que nela já fora aplicado e que, provavelmente, nunca retornará como benefício para a sociedade. 

Dinheiro público que escoa pelo ralo e que provoca a reflexão sobre a pertinência da decisão política de autorizar a execução da obra e o seu custo de oportunidade. 

A depreciação de estruturas civis e equipamentos deixados ao tempo costuma ser rápida e implacável (dependendo do grau de preservação adotado) e é acelerada pelo vandalismo que corrói o investimento já realizado.

Em adição, uma obra paralisada não exime a Administração do pagamento de despesas financeiras decorrentes dos empréstimos tomados para a realização da parcela concluída da obra. Valor que se estende após a decisão de paralisação da obra.

2) Surgem custos decorrentes do cancelamento de contratos

Paralisar uma obra pública implica, necessariamente, na revisão ou cancelamento de contratos com projetistas, empreiteiras, montadoras, gerenciadoras, fabricantes de equipamentos etc. 

Isso provoca desequilíbrios econômico-financeiros às partes afetadas e provocam o encaminhamento de litígios judiciais (ou arbitrais) que acabam onerando a Administração a altas custas e por longo prazo.

Essa ineficiência é indesejada e, geralmente, não contabilizada na decisão intempestiva de paralisação das obras. Sem contar o efeito social perverso e o custo econômico das desmobilizações e demissões que se estendem a toda a cadeia de fornecimentos que gravita em torno da obra paralisada.

3) Custos extras com preservação das estruturas semiacabadas e dos equipamentos entregues

É de praxe a Administração solicitar das empresas que tiveram contratos cancelados a definição de medidas voltadas à preservação das estruturas civis e equipamentos disponíveis na obra paralisada. Entretanto, cabe ao Contratante vir a executá-las, ou contratar quem o faça em seu nome.

Portanto, vale aqui a lembrança da contabilização das despesas de preservação, que se estendem à segurança patrimonial, à manutenção do legado, à perda de garantias, aos impactos ambientais etc. durante todo o tempo de paralisação na decisão de distrato contratual e paralisação da obra.

4) Custos decorrentes do impacto urbano de obras abandonadas

Valeria a pena, ainda, que o governo contabilizasse em sua decisão de paralisação de obras os custos decorrentes dos transtornos provocados na mobilidade urbana (pedestres e veículos) pelo abandono de escavações e estruturas e sobras de materiais deixadas ao tempo. 

Afinal, áreas abertas ou cercadas com tapumes que demandam desvios, sinalizações e cuidados especiais ficam expostos em canteiro de obras. Soma-se à lista os custos decorrentes dos cuidados necessários contra o vandalismo e o aumento da criminalidade em áreas abandonadas.

5) Perdas dos benefícios esperados das obras

Por último, questiona-se se o governo avaliou o outro lado da equação. O lado que quantifica as perdas para o cidadão decorrentes da paralisação das obras e da frustração dos benefícios que delas eram esperados. 

Nessa rubrica deve-se considerar o impacto social direto da indisponibilização do bem ou dos serviços que deixaram de ser proporcionados pela obra concluída, como no caso de hospitais, escolas, estradas, transporte urbano etc.

Acrescente-se a isso o impacto negativo sobre a economia local/regional/nacional da obra paralisada. Estradas que poderiam estar escoando a produção, portos que poderiam estar transitando mercadorias, usinas que poderiam estar gerando energia, etc – empregos criados, renda distribuída, sociedade em desenvolvimento.

Soluções possíveis

Apontando no sentido das soluções, diversas iniciativas veem sendo trabalhadas no sentido de minimizar os impactos desse problema, ainda que descoordenadas, tímidas e insipientes. Entre estas, mencionam-se as revisões nas legislações que regem as aquisições públicas, assim como a adoção voluntária de instrumentos simples e diretos de avaliação, tais como o Índice de Definição de Projetos (IDP) que diagnostica a situação de maturidade de uma obra, previamente à sua licitação.
Resta saber se as instâncias da Administração têm interesse na adoção de práticas pragmáticas de mitigação dos impactos do problema. Ou ainda, se a agenda política de lançamentos de projetos estaria disposta a se submeter à lógica racional e transparente do planejamento prévio das obras. O Brasil, diante de suas mazelas, precisa e pode conferir maior agilidade e racionalidade às suas obras públicas, minimizando os atrasos, paralisações e sobrecustos sistêmicos e significativos, sob pena de, em não o fazendo, comprometer o seu futuro.

Alonso Mazini Soler – Doutor em Engenharia – Professor do Insper – alonso.soler@schedio.com.br
Juliana Prado Costa, PMP – Especialista em Gerenciamento de Projetos – Engenheira de Produção Civil – julianaprado@gmail.com