O aperto de mãos e a assinatura do contrato normalmente confirmam uma negociação bem-sucedida na venda de um imóvel. Mas e quando o cliente desiste da compra depois de concluída a operação? Esse risco existe e conta com uma legislação própria para disciplinar a dissolução do acordo: a Lei do Distrato.
Na prática, o distrato na venda de imóveis se dá no processo de rescisão do acordo celebrado entre os envolvidos. Embora a decisão de cancelar o negócio também possa partir das construtoras e incorporadoras, quem normalmente recorre a este mecanismo são os compradores.
Isso é mais comum quando se tratam de imóveis na planta e empreendimentos recém-lançados. Os motivos que levam um cliente a buscar a anulação do contrato variam: podem ser de ordem pessoal, como desemprego e falta de crédito, ou de natureza global, a exemplo da pandemia da Covid-19.
Se você for responsável por um projeto ou empreendimento em construção, saiba que há uma série de medidas ao alcance das construtoras e incorporadoras para evitar a anulação do negócio. Este artigo vai mostrar como sua empresa deve se prevenir do risco de distrato até entregar as chaves ao cliente.
Entenda o que mudou com a Lei do Distrato na venda de imóveis
Fica mais fácil afastar o risco de distrato entendendo como esse processo ocorria antes e depois da publicação da Lei do Distrato, no final de 2018. Até a legislação vigorar, não existia uma regra clara sobre quanto o comprador deveria receber de volta caso desistisse do negócio.
Na prática, cada vendedor devolvia o valor que considerava justo. E os clientes, por sua vez, acabavam acionando a Justiça na expectativa de receber até a totalidade dos valores pagos.
A lei atual, portanto, deu mais estabilidade e segurança jurídica ao mercado porque trouxe parâmetros legais de retenção dos valores pagos.
No ano passado, a relação distratos/vendas entre os imóveis de médio e alto padrão foi de 11%. Em 2020, esse percentual foi de 15%. No ano em que a lei foi criada, a proporção chegava a 50%.
Confira, a seguir, uma lista com cuidados essenciais para evitar distratos!
1. Faça um contrato claro e completo
Cumprir as obrigações previstas na lei minimizam as chances do cliente recorrer ao distrato. Isso começa pelas informações que devem ser repassadas de forma clara ao comprador para que o contrato seja válido.
Todas essas informações precisam constar no quadro-resumo logo no início do documento:
- Preço total a ser pago pelo imóvel
- Valor da parcela do preço a ser tratada como entrada e a forma de pagamento
- Valor referente à corretagem
- Forma de pagamento do preço, com indicação clara dos valores e vencimentos das parcelas
- Índices de correção monetária aplicáveis ao contrato
- Consequências do desfazimento do contrato
- Taxas de juros eventualmente aplicadas
- Informações sobre a possibilidade do exercício do direito de arrependimento
- Prazo para quitação das obrigações pelo comprador após a obtenção do auto de conclusão da obra pelo incorporador
- Informações acerca dos ônus que recaiam sobre o imóvel
- Número do registro do memorial de incorporação, a matrícula do imóvel e a identificação do cartório de registro de imóveis competente
- Termo final para obtenção do auto de conclusão da obra (habite-se) e os efeitos contratuais do atraso na entrega
Cuidado! Se faltar algum dos tópicos acima, o vendedor terá 30 dias para incluí-lo no contrato. Permanecendo a omissão, o comprador terá justa causa para a rescisão contratual.
2. Condições diferenciadas devem ser colocadas no papel
Se houver comum acordo, sua empresa e o comprador poderão definir condições diferenciadas daquelas previstas na Lei do Distrato.
Mas os termos a serem estabelecidos nesta relação contratual terão de constar em um instrumento específico de distrato. Não dê margem para surpresas após fechar o negócio!
3. Fique atento ao prazo máximo de 180 dias de atraso
A Lei do Distrato na venda de imóveis formalizou a tolerância de 180 dias para o atraso na entrega do empreendimento. Só que esta condição deve estar prevista no contrato de forma clara e destacada, ok?
Assim, qualquer imprevisto que leve ao atraso da obra sem ultrapassar a janela de 180 dias não dará causa à resolução do contrato por parte do comprador nem implicará no pagamento de qualquer penalidade pelo incorporador.
4. E se a obra não ficar pronta no prazo?
Se a entrega do imóvel ultrapassar a janela de 180 dias de atraso, o cliente poderá exigir a devolução do valor integral já pago. Mas claro que esse direito só vale desde que o próprio comprador não tenha dado causa ao atraso.
Quando o prazo de entrega de 180 dias não é respeitado por razões atribuídas exclusivamente à incorporadora, o cliente tem duas possibilidades:
- Rescindir o contrato e cobrar todo o valor pago de volta, mais o valor da multa estabelecida em até 60 dias após a extinção do contrato
- Cobrar indenização de 1% do valor efetivamente pago à incorporadora para cada mês de atraso, com correção monetária
Você não quer ver seu negócio prejudicado por nenhum desses cenários, não é mesmo? Então seja comprometido e só proponha prazos e condições que sua empresa terá capacidade de honrar.
5. Alerte sobre as consequências do distrato
Uma vez que sua empresa cumpre as obrigações previstas no contrato, em caso de distrato as penalidades serão direcionadas ao comprador. Por isso, é importante deixar o cliente a par das consequências numa eventual desistência do negócio.
Em suma, traduza o “juridiquês” para ajudá-lo a entender os termos do contrato e tomar a decisão certa.
Atenção! Mesmo que parte do valor pago seja retido em favor da empresa quando ocorre o distrato, seu empreendimento é prejudicado porque deixa de receber o valor da venda até encontrar um novo comprador. Isso se desdobra em novos custos jurídicos, comerciais e de marketing, por exemplo.
6. Como o comprador é penalizado quando desiste do negócio?
Caso desista do negócio e venha a distratar, o comprador terá direito à restituição de parte das quantias pagas diretamente ao incorporador. Mas a rescisão contratual implica em deduções estabelecidas pela Lei do Distrato na venda de imóveis:
- Perda total do valor pago à comissão de corretagem
- Perda de até 25% do valor pago pelo imóvel
- Perda de até 50% do valor pago (incorporação submetida ao regime de patrimônio de afetação)
- Perda das quantias correspondentes ao impostos reais incidentes sobre o imóvel
- Perda das cotas de condomínio e contribuições devidas a associações de moradores
- Perda do valor correspondente à fruição do imóvel (0,5%) sobre o valor atualizado do contrato
- Perda dos demais encargos incidentes sobre o imóvel e despesas previstas no contrato
7. Ofereça opções ao cliente
A negociação é um recurso que pode minimizar o impacto de um distrato tanto para a empresa como para o cliente. Caso o comprador queira desistir do acordo, você pode propor que ele apresente algum substituto nos direitos e obrigações assumidos.
Essa possibilidade é prevista na Lei do Distrato. Se houver anuência do incorporador e a aprovação dos cadastros e da capacidade financeira e econômica do comprador substituto, o cliente original ficará isento da multa de rescisão contratual. Melhor para ambas as partes, certo?
8. Não esqueça do direito de arrependimento
Você sabia que a extinção do negócio pode depender de onde o acordo foi assinado? Então, não seja surpreendido: a Lei do Distrato na venda de imóveis prevê que os contratos firmados em estandes de vendas e fora da sede do incorporador permitem ao cliente o exercício do direito de arrependimento.
Esse prazo é de apenas sete dias, mas garante ao comprador a devolução de todos os valores eventualmente antecipados, inclusive a comissão de corretagem.
Cabe ao cliente arrependido demonstrar o exercício do direito de arrependimento por meio de carta registrada, com aviso de recebimento. É considerada a data da postagem para o início da contagem dos sete dias.
9. Conheça o perfil do seu cliente
Identificar os clientes que se encaixam no perfil de investimento do seu negócio não é apenas uma garantia em relação às condições de pagamento e de um possível distrato.
A análise de cliente é uma precaução contra quem age de má-fé. Consulte ocorrências junto ao SPC, Receita Federal e Serasa.
10. Garanta um atendimento pós-venda qualificado
O sonho do cliente só se realiza com as chaves da propriedade em mãos. Não deixe que ele perca o sono com dúvidas e incertezas após a assinatura do contrato. Se o comprador estiver inseguro quanto ao futuro do empreendimento, ele pode pensar em desfazer o contrato.
Por isso, estruture o atendimento pós-venda para entender as preocupações do cliente e deixá-lo mais tranquilo sobre cada passo do negócio. Que tal um calendário de etapas da obra para dar mais transparência ao processo?
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