Você já ouviu falar de urbanismo tático? No mundo contemporâneo, as cidades – sobretudo as de grande porte – enfrentam um contexto de grandes desafios, como a rápida urbanização, a falta de espaços públicos de qualidade, a dependência do transporte motorizado e a necessidade de promover a sustentabilidade urbana.
Em muitas localidades, o planejamento urbano tradicional pode ser lento, burocrático e caro, tornando difícil a implementação de mudanças rápidas e adaptáveis. Nesse sentido, o urbanismo tático surge como uma alternativa para romper com esse engessamento das iniciativas do Poder Público.
O que é urbanismo tático?
A expressão urbanismo tático refere-se a uma abordagem de planejamento urbano e design que busca realizar intervenções rápidas e de baixo custo no ambiente urbano, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida e a funcionalidade das áreas urbanas. Essas intervenções são geralmente temporárias e flexíveis, permitindo que sejam testadas antes de serem implementadas permanentemente.
O urbanismo tático envolve a aplicação de soluções criativas e de curto prazo para problemas urbanos específicos, como a falta de espaços públicos adequados, a segurança viária, a falta de áreas verdes, a conexão entre bairros e outras questões relacionadas à infraestrutura urbana.
Essas soluções muitas vezes incluem a utilização temporária de espaços subutilizados ou abandonados, como estacionamentos, faixas de pedestres, áreas de lazer ou praças, para criar novos espaços públicos ou melhorar os existentes.
Essas intervenções temporárias geralmente são implementadas com a participação da comunidade local e de outros interessados, utilizando materiais de baixo custo, como pinturas, móveis, vegetação em vasos, elementos modulares, entre outros.
Essa abordagem permite uma rápida transformação do ambiente urbano, além de proporcionar um ambiente de teste para avaliar o impacto e a aceitação das mudanças propostas antes de investir em intervenções permanentes.
O urbanismo tático é frequentemente associado ao conceito de placemaking, que visa criar lugares atraentes e vibrantes que promovam a interação social e a identidade local. Essas intervenções temporárias podem eventualmente evoluir para projetos permanentes se demonstrarem sucesso e apoio da comunidade.
Tipos de intervenção comuns
A lista a seguir apresenta uma variedade de exemplos de intervenções de urbanismo tático, demonstrando a capacidade dessa abordagem de transformar espaços urbanos de forma rápida, adaptável e de baixo custo.
- Park(ing) Day: Transformação temporária de vagas de estacionamento em mini praças, áreas de lazer ou jardins.
- Ciclofaixas temporárias: Criação temporária de faixas exclusivas para ciclistas em ruas existentes.
- Praças temporárias: Transformação temporária de espaços subutilizados em áreas de convivência, com mobiliário urbano, vegetação em vasos e atividades recreativas.
- Ruas abertas: Fechamento temporário de ruas para o tráfego de veículos, tornando-as espaços exclusivos para pedestres e ciclistas.
- Pop-up parks: Criação temporária de parques em áreas ociosas ou subutilizadas da cidade.
- Apropriação de espaços subutilizados: Utilização temporária de terrenos baldios, lotes vazios ou edifícios abandonados para atividades culturais, comunitárias ou recreativas.
- Alamedas e calçadões: Transformação temporária de ruas em alamedas ou calçadões com maior espaço para pedestres, mesas, cadeiras e atividades ao ar livre.
- Street art e grafites: Intervenções artísticas temporárias em espaços públicos, como murais de street art e grafites.
- Jardins de chuva: Implantação temporária de sistemas de drenagem sustentável para lidar com problemas de enchentes e melhorar a qualidade da água.
- Instalação de mobiliário urbano temporário: Colocação temporária de bancos, mesas, cadeiras e outros elementos de mobiliário urbano em espaços públicos para melhorar a utilização e o conforto.
Exemplos de urbanismo tático no Brasil
Ao longo do século 20, muitas cidades brasileiras se expandiram sob forte influência do desenvolvimento rodoviarista e em um contexto de rápido êxodo rural, em que o planejamento urbano não dava conta da demanda que se impunha.
Como herança desse período, elas enfrentam hoje desafios particulares associados à alta densidade populacional, à carência de espaços públicos, aos problemas de mobilidade e às desigualdades sociais e à segregação urbana.
É nesse contexto que surgem iniciativas ligadas ao urbanismo tático, como os que veremos a seguir.
Parque Minhocão – São Paulo (SP)
O Elevado João Goulart, conhecido popularmente como Minhocão, é uma via elevada localizada na cidade de São Paulo, que liga a região da Barra Funda (Zona Oeste) ao centro.Nos anos 70, o Minhocão foi construído como uma solução viária para o fluxo intenso de veículos, mas ao longo dos anos, tornou-se objeto de controvérsia e debate sobre seu impacto negativo no ambiente urbano e na qualidade de vida dos moradores locais. Nos últimos anos, uma iniciativa de urbanismo tático transformou o Minhocão em um espaço de lazer e convivência para a população.
Aos domingos e feriados, o Minhocão é fechado para o trânsito de veículos motorizados e aberto exclusivamente para pedestres, ciclistas e atividades recreativas. Durante esse período, a via se transforma em uma área de lazer, recebendo mobiliário tático especial e oferecendo um ambiente seguro e agradável para as pessoas desfrutarem do espaço público.
O Parque Minhocão tem sido bem recebido pela população, havendo discussões em andamento sobre a possibilidade de tornar essa intervenção permanente ou até mesmo transformar o Minhocão em um parque linear.
Rua João Alfredo – Porto Alegre (RS)
O projeto de requalificação da via, localizada no bairro Cidade Baixa, contempla uma área de intervenção de 15 mil m² e 650 m de extensão de 650 metros. Estão previstas diversas ações com o objetivo de requalificar a rua, incentivando a mobilidade ativa e as atividades no período diurno, beneficiando e envolvendo toda a população que passa pela região – moradores, comerciantes e visitantes. O Poder Público da capital gaúcha também espera organizar melhor o fluxo de carros e pedestres, reduzir a velocidade do tráfego local e ampliar os passeios para pedestres.
Iniciado em 2017, está dividido em duas etapas: o Urbanismo Tático e as Obras Definitivas. A fase de Urbanismo Tático, já concluída, estabeleceu o estreitamento da faixa de tráfego para os veículos e a instalação de mobiliário urbano para pedestres.
Atualmente, segundo a Prefeitura de Porto Alegre, o projeto está na segunda fase, aguardando a implantação definitiva.
Rua Doutor Cesar – São Paulo (SP)
Uma intervenção urbana temporária foi realizada no bairro de Santana, zona norte de São Paulo, em setembro de 2017. A região foi escolhida por apresentar um histórico de elevados índices de atropelamentos. A ação foi proposta pelo Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP Brasil), com apoio de ONGs, da iniciativa privada e da Prefeitura da cidade. Foram selecionados dois pontos da rua Dr. César, nas interseções com as ruas Voluntários da Pátria e Salete. A intervenção de um dia previa a criação de:
- Minirrotatória
- Diminuição de raio de curvatura nas interseções
- Extensão de calçada
- Estreitamento de faixa de circulação
Ao final da intervenção, as sugestões – resultantes de um amplo estudo técnico – foram incorporadas em definitivo no desenho viário local, sendo mantidas até hoje.
Qual a diferença entre planejamento estratégico e urbanismo tático?
O planejamento estratégico e o urbanismo tático são abordagens distintas para a gestão e o desenvolvimento das cidades, cada uma com suas características e objetivos específicos.
Planejamento estratégico
É uma abordagem de longo prazo que busca estabelecer diretrizes e metas para o desenvolvimento urbano. Envolve a elaboração de planos e políticas que guiam o crescimento da cidade ao longo de um período de tempo mais amplo, geralmente de 10 a 20 anos. O planejamento estratégico leva em consideração uma série de fatores, como demografia, infraestrutura, economia, transporte e meio ambiente, e busca criar uma visão integrada e sustentável para a cidade.
Ele envolve a participação de diversos atores, como governos, especialistas, comunidade local e setor privado, e tem como objetivo estabelecer diretrizes gerais para o desenvolvimento urbano. Os Planos Diretores urbanos são um dos instrumentos que derivam do planejamento estratégico de uma cidade.
Urbanismo tático
Por outro lado, o urbanismo tático é uma abordagem de curto prazo e de intervenção mais direta no espaço urbano. É caracterizado por intervenções rápidas, adaptáveis e de baixo custo que buscam melhorar áreas específicas da cidade de forma ágil e experimental. O urbanismo tático envolve a implementação de intervenções temporárias, como a criação de espaços públicos temporários, ciclovias temporárias, praças efêmeras e outras ações de curto prazo que podem ser testadas e avaliadas antes de se tomar decisões permanentes. Essas intervenções são frequentemente desenvolvidas com a participação da comunidade local e têm como objetivo gerar impactos positivos imediatos, revitalizar espaços subutilizados e estimular a interação social.
Quem criou o urbanismo tático?
O termo urbanismo tático, no sentido em que os profissionais entendem hoje, se popularizou a partir de 2011, com a publicação do livro Tactical Urbanism: Short-term Action for Long-term Change pelos urbanistas Mike Lydon e Anthony Garcia.
De acordo com os autores, o urbanismo tático opera por meio de cinco princípios:
- Uma abordagem consciente e em fases para instigar a mudança.
- Oferta de ideias locais para desafios de planejamento locais.
- Compromisso de curto prazo e expectativas práticas/realistas.
- Baixos riscos, com possibilidade de alto retorno.
- Desenvolvimento de capital social entre os cidadãos e a sinergia organizacional entre instituições públicas e privadas, organizações sem fins lucrativos e outras entidades da sociedade civil.
Como surgiu o urbanismo tático?
O surgimento do urbanismo tático insere-se no contexto de uma crescente preocupação com o consumo de combustíveis fósseis e seus efeitos no aquecimento global, e com os efeitos da crise imobiliária nos Estados Unidos em 2008.
Seu modo de operar, por sua vez, foi fortemente influenciado por ações e práticas anteriores, como a prática de “guerrilla gardening” (jardinagem de guerrilha), onde as pessoas plantam flores ou vegetais em lotes vazios ou negligenciados sem a permissão do proprietário ou do Poder Público, e na pioneira iniciativa colombiana das ciclovias, em que as ruas são temporariamente fechadas ao tráfego de carros para permitir o uso por ciclistas e pedestres.
Arte e urbanismo tático
O urbanismo tático frequentemente utiliza a arte e o design para criar intervenções no espaço público e impulsionar o engajamento da comunidade. É um conceito praticado por artistas, ativistas e cidadãos para trazer para o processo conexões do lugar com o passado, o presente e o futuro. Esse tipo de urbanismo é frequentemente praticado na forma de obras públicas de arte ou performance. A ideia é proporcionar uma forma mais inclusiva de desenvolvimento urbano, que pode reduzir a divisão entre vencedores e perdedores.
O urbanismo tático envolve os cidadãos em formas de ação social e formas leves de desobediência civil para testar criativamente maneiras alternativas de usar o espaço público para melhorar os bairros.
O Beco do Batman, no bairro da Vila Madalena, em São Paulo, pode ser considerado um exemplo de urbanismo tático e sua capacidade de transformar espaços urbanos. Sua história começou na década de 1980, quando um desenho do icônico personagem de quadrinhos Batman foi descoberto nas paredes do bairro.
Esse incidente despertou a atenção de estudantes de arte, que começaram a adornar as paredes do beco com desenhos inspirados em estilos cubistas e psicodélicos. Com o tempo, essas obras de arte cobriram completamente as paredes, transformando o beco numa galeria a céu aberto.
Hoje, as imagens nas paredes estão em constante evolução, com grafiteiros renovando continuamente as obras de arte. A comunidade local desempenha um papel ativo na conservação destas paredes, que se tornaram um espaço cobiçado pelos artistas. O Beco do Batman se transformou em um destino turístico obrigatório para os entusiastas da arte urbana.
Conclusão
O urbanismo tático surge como uma alternativa dinâmica e adaptável para enfrentar os desafios urbanos contemporâneos. Em um contexto de rápido crescimento urbano, falta de espaços públicos adequados, dependência do transporte motorizado e necessidade de promover a sustentabilidade, o urbanismo tático oferece soluções rápidas e de baixo custo para melhorar a qualidade de vida nas cidades.
Por meio de intervenções temporárias e flexíveis, a prática permite que as comunidades testem e experimentem mudanças antes de implementá-las permanentemente. Essas intervenções podem incluir a criação de praças temporárias, ciclovias temporárias, transformação de ruas em espaços exclusivos para pedestres e ciclistas, entre outras.
No Brasil, um país marcado pela alta densidade populacional, carência de espaços públicos, problemas de mobilidade e desigualdades sociais, o urbanismo tático assume uma importância significativa. Projetos como o Parque Minhocão em São Paulo, a requalificação da Rua João Alfredo em Porto Alegre e a intervenção na Rua Doutor Cesar também na cidade de São Paulo são exemplos de como o urbanismo tático pode revitalizar e transformar espaços urbanos, envolvendo a comunidade e criando ambientes mais acessíveis, seguros e agradáveis.
O urbanismo tático se diferencia do planejamento estratégico urbano e o complementa. O planejamento estratégico – incluindo o Plano Diretor, por exemplo – está mais ligado à visão e às metas gerais de longo prazo para a cidade, com a definição de políticas e diretrizes. Já o urbanismo tático é uma abordagem mais ágil e experimental, focada em intervenções práticas e imediatas.
Assim, o urbanismo tático se estabelece como uma abordagem promissora para enfrentar os desafios urbanos do século 21, permitindo que as cidades sejam moldadas de maneira mais inclusiva, sustentável e centrada nas necessidades das pessoas. Com sua flexibilidade e capacidade de adaptar-se às mudanças, o urbanismo tático pode impulsionar uma transformação positiva e inspiradora nas cidades brasileiras.
