Nos artigos anteriores discutimos a incoerência entre dois ciclos: os de crises no setor da construção que duram entre 4 e 5 anos e os do negócio imobiliário que nas maiores cidades atingem de 8 a 12 anos. Essa discrepância faz com que a falta de previsibilidade e o consequente aumento vertiginoso do risco aconteça.
O item de maior impacto na duração do ciclo do negócio imobiliário é o período de aprovação dos projetos (licenciamento) que atinge de 3 a 5 anos nas grandes cidades, podendo levar 8 anos para grandes projetos. Mas, mesmo com uma redução drástica nos períodos de aprovação, ainda sobra metade do problema que está nas mãos do nosso setor.

Desenvolvimento tecnológico

Ao discutirmos ideias para o desenvolvimento do setor é importante analisarmos o que está acontecendo à nossa volta. Ou seja, como a economia está sendo impactada pela Transformação Digital e como os indivíduos estão se comportando (mudando seus hábitos) nessa transformação. Como essa Transformação Digital vai afetar o setor de Real Estate e em particular na comercialização e na construção de nossos edifícios?
Simplificando, é possível identificar facilmente os principais desenvolvimentos tecnológicos que estão próximos a nós, em nossos celulares e computadores domésticos. Isso sem mencionarmos a enorme evolução nas fábricas com o uso de robôs, impressoras a laser, maquinas de controle numérico, etc.

  • Internet rápida e com grande cobertura. É a tecnologia que permeia e permite comunicação de todas as demais tecnologias e que está viabilizando a “Internet das Coisas”.
  • Chips de processamento de altíssima velocidade que já permitem rodar programas de alta complexidade e que já adentraram no conceito de inteligência artificial, disponíveis em dispositivos portáteis.
  • Capacidade de armazenamento de enormes quantidades de dados e informações, de fácil acesso, em nuvem, com o auxílio da internet.
  • Algoritmos potentíssimos de procura. Tratamento e disponibilização de dados de tudo que circula na internet.
  • Localizador GPS de alta precisão.
  • Algoritmos de tratamento e identificação de imagens e de sons (vozes) rápidos e de alta precisão.
  • Scanners a laser de alta precisão e de grande densidade de pontos, capazes de “enxergar” e identificar qualquer forma tridimensional com maior acuidade do que o olho humano.
  • Identificação de parâmetros físico e químicos de qualquer superfície usando sensores a laser e sensores infravermelhos miniaturizados.
  • Celulares inteligentes (smartphones) equipados com alta capacidade de processamento e contendo várias, se não todas as tecnologias mencionadas acima.

Existem muitas outras tecnologias desenvolvidas, mas as listadas são a base de inúmeros “aplicativos” que combinam duas ou mais delas e que estão provocando verdadeiras revoluções nas empresas, na economia (disruptions), no habito e no modo de vida das pessoas.
De uma forma geral toda a tecnologia desenvolvida tem a função de simplificar e agilizar a vida das pessoas, reduzindo o tempo em atividades que não fossem as “atividades fins” do ser humano (pensar) bem como aumentar o nível de qualidade das tarefas e o trato das informações delas produzidas. Com esses aplicativos, a vida está caminhando para ser cada vez mais “leve”, conectada e muito mais ágil.
Várias tecnologias relativamente recentes têm ficado obsoletas rapidamente com a introdução dessas novas tecnologias e dos dispositivos moveis que lhes dão suporte. O ritmo de obsolescência está aumentando cada vez mais (recomendo a leitura de um excelente artigo “Não é o peixe grande que come o peixe pequeno. É o peixe rápido que come o peixe lento. Você é rápido ou lento?” escrito por Cezar Taurion”).

Impactos para o setor imobiliário

Como essas tecnologias estão impactando ou vão impactar o setor de Real Estate e em particular a construção de edifícios? Quais as possíveis “disruptions” que poderão acontecer em nosso setor? Como o setor deveria se organizar e as empresas se prepararem para essas prováveis transformações?
Essa não é uma questão fácil, principalmente num setor caracterizado por ser de evolução tecnológica muito lenta, de características sectárias e que até agora está afastado dos recentes ciclos de inovação. A maior parte dos participantes do setor tem uma visão pessimista do possível desenvolvimento tecnológico. Argumentam que na construção civil cada produto desenvolvido é único, e que mesmo os seriados passam a serem únicos pela necessidade de adaptação dos projetos a forma e a topografia dos terrenos. Afirmam que em nosso setor o produto (edifício) fica “parado” enquanto a fábrica (canteiro de obras) “anda” e que com isso toda a organização da produção tem que ser desfeita em breves períodos, aumentando a rotatividade de profissionais, a perda do investimento em treinamento e improdutividade. Que nossos produtos são de grandes dimensões e fabricados com materiais de grande peso específico os quais não se beneficiariam da miniaturização. Que para ser economicamente viável temos que utilizar mão de obra intensiva e de baixo custo, processos de trabalhos simples para poderem ser absorvidos por essa mão de obra pouco capacitada, e assim por diante. Pensam que todo esse conjunto de fatores, além de outros mais, justificam o atraso tecnológico de nossa construção e impedem seu desenvolvimento.
Estamos mesmo fadados ao atraso e ao uso tecnologias de baixo nível de desenvolvimento? Se olharmos para países mais desenvolvidos, é isso que está acontecendo por lá? Como as atividades do Real Estate estão se transformando e, em particular, como a construção civil está evoluindo?
Tenho acompanhado a discussão que está em pauta em alguns grupos de trabalho nos EUA, Reino Unido, França e Alemanha, que estão avaliando a evolução da produtividade da construção civil nas últimas décadas e propondo mudanças para um próximo grande salto tecnológico.
Nos EUA por exemplo, pesquisas apontam que a produtividade a qualidade das obras teve um enorme salto entre a década de 20 e os anos 70. Nesse período a produtividade do setor aumentou entre 3 a 4 vezes com a introdução de novas tecnologias como estruturas metálicas especializadas para edifícios, formas deslizantes ou trepantes, tecnologia de concreto armado de alta performance, drywall, fachadas pré-fabricadas, sistemas hidráulicos flexíveis e de canecões rápidas, pré-fabricação de componentes e novas formas de organizar a produção e sua gestão, além do uso de softwares para projetos (CAD).
Entretanto, constaram que desde os anos 70, portanto nos últimos 40-50 anos, a produtividade do setor da construção estagnou por um período e e chegou a cair de 19%, enquanto o restante da economia americana (não agrícola) cresceu em produtividade 2,5 vezes (incremento real de 153%). O mesmo parece estar acontecendo na maioria dos países do 1º mundo.
Essa constatação está preocupando muitos empresários, pesquisadores e o próprio governo americano. Grupos de debates têm se formado com um objetivo comum: o que fazer com a construção civil para dobrar a produtividade nos próximos 10 anos?

Produtividade no Brasil

E a construção brasileira? Como estamos em relação à produtividade?
Aqui, medimos muito pouco nosso desempenho. A última medição séria de produtividade da construção, inclusive comparando-a com a produtividade americana, coreana, etc, foi feito pela McKinsey Global Institute com publicação em março de 98, onde constataram que a produtividade das maiores empresas brasileiras era em média 32% da Americana, ou seja, 3 vezes menor.
As características da nossa construção de edificações se assemelhavam em muito a construção americana na década de 20, tanto pelo seu aspecto artesanal como na forma de organização da sua força de trabalho. Já se passaram 19 anos e não consegui identificar outra pesquisa mais recente que nos mostrasse a evolução nesses últimos 19 anos. Embora sem uma medição mais precisa, não sou muito otimista em relação a um crescimento de nossa produtividade nesse período. Na minha opinião, estamos estagnados desde então e continuamos com nossa tradição de empilhar tijolos.
Se os EUA conseguirem dobrar a sua produtividade nos próximos 10 anos, ficaremos com apenas 15% da produtividade deles, se não fizermos algo realmente contundente em nosso setor. Baixa produtividade significa perda de lucratividade, perda de capacidade de mercado e de riqueza. Estamos nos permitindo jogar fora uma enorme quantidade de dinheiro num setor da economia que representa 6 a 7% do PIB. Não podemos continuar assim!
A industrialização aumentou vertiginosamente a produtividade de todos os setores da economia, inclusive e mais recentemente, o tradicionalíssimo setor agrícola brasileiro. A construção civil precisa se industrializar para podermos alcançar a produtividade que tanto precisamos. A industrialização também reduzirá riscos de forma a podermos novamente ser um setor realmente e consistentemente atrativo para investimentos.
Em todo mundo, a industrialização é o fator mais importante na redução da pobreza e na distribuição da riqueza que se tem conhecimento.
Precisamos encarar esse desafio de frente, e para que esse artigo não fique demasiadamente longo, discutirei conceitos e ideias para o aumento da produtividade e a industrialização do setor nos próximos artigos dessa série.