Foi para mim uma satisfação e uma surpresa o grande interesse despertado pelo artigo sobre os desafios que o nosso setor precisará enfrentar nos próximos anos. Nele eu iniciei a discussão sobre produtividade e a industrialização da construção. Planejo publicar o quarto da série nessa próxima semana, se meus compromissos de trabalho permitirem. Entretanto as mensagens por e-mails, Linkedln e WhatsApp foram tão numerosos que resolvi não perder a oportunidade de comentar as questões levantadas nessas mensagens de forma a não “envelhecer” o debate e os conceitos por trás deles.
Para iniciar, considero todas as mensagens muito interessantes e que precisam ser discutidas de forma a podermos fixar conceitos importantes. O fato de ter algumas reparações com o sentido dado a algumas delas, não as considero inoportunas, muito pelo contrário, e é importante continuar a recebe-las. Para mudar a cultura de um setor, é necessário começar por mudar a percepção das pessoas que nele atuam. Em seguida, é normal que as pessoas experimentem gradativamente, verificando por si mesmas se os conceitos formulados fazem sentido.
Quando finalmente essas pessoas começarem a divulgar, ensinar esses conceitos e até a evolui-los, poderemos dizer que a cultura finalmente estará sendo mudada. Entendo que um processo de mudança tem um grande fator de incerteza. Normalmente é possível identificar com facilidade onde estamos, os nossos problemas e as barreiras que nos amarram. Da mesma forma é fácil imaginar onde queremos chegar, listando em detalhes tudo que queremos obter.
O problema é que o caminho para se se chegar é sempre incerto e existem varias alternativas. Podemos ter inumeras ideias, objetivos intermediários, observar outros que passaram por processo de desenvolvimento semelhante, mas o caminho que vamos trilhar tem que passar por diversos ajustes decorrentes dos problemas que surgirem. Todo processo de desenvolvimento é assim e o importante é não perder o foco no ponto final. O processo de desenvolvimento da construção para a industrialização é muito complexo, envolvendo várias áreas com conceitos próprios e enraizados, pois se não o fosse, já estaríamos par e passo com as grandes economias do mundo.
As barreiras que temos precisam ser superadas uma a uma e nunca usadas como desculpa para a não evolução. Dessa forma, tudo que for comentado aqui não significa critica as questões enviadas, mas parte do debate de ideias que é necessário ser feito para se encontrar os caminhos que precisamos trilhar.
Questões sobre produtividade
Seguem as três mais importantes questões levantadas, e meus respectivos comentários:
- Levantou-se a questão de que uma barreira que inviabiliza a redução do prazo de obras é a necessidade de poupança de 20% a 30% do valor do imóvel durante a fase de construção. Com um prazo de obra menor as parcelas ficariam muito maiores, inviabilizando a compra por muitos clientes. Reconheço que isso é uma barreira importante, mas que precisa ser vencida. Para isso sugiro algumas questões para serem pensadas:
- Será que a venda de imóveis feitas com pouca poupança prévia é necessariamente uma boa venda?
- Temos estatística de qual o percentual de distratos, enorme problema enfrentado hoje pelas empresas, são correspondentes a vendas de baixo valor de poupança de entrada? Vendas de baixo valor de poupança de entrada são boas vendas ou fonte de problemas para as empresas?
- Poderíamos imaginar algum programa de incentivo a poupança prévia para a compra de imóveis, que poderíamos negociar setorialmente com os bancos, de forma que o poupador pudesse auferir benefícios no financiamento ou algo parecido, e com isso estimula-lo a poupar previamente?
- A redução do prazo de obras reduz substancialmente custos administrativos, custos de construção, cargas de juros do financiamento e riscos. Esses ganhos ao serem repassados aos clientes (mesmo que parcialmente) não compensariam as eventuais “perdas” potenciais de vendas de baixo compromisso?
- Tenho certeza que poderíamos discutir e achar várias outras alternativas e testa-las para resolver essa barreira real, mas nunca permitir a imobilização tecnológica do setor por causa dessa barreira.
- Outra questão levantada foi relativa à nossa mão de obra pouco qualificada, muitas vezes analfabeta, e que precisaria de uma tarefa hercúlea para deixa-la em condições de uso para tecnologias modernas. Esse investimento seria caro e poderia ser facilmente pedido com a saída do operário para outra empresa. Que a função social da construção civil é justamente absorver a mão de obra não qualificada, principalmente oriunda do campo. Essas são questões recorrentes, mas que valem a pena serem comentadas.
- Os países tecnologicamente mais desenvolvidos já mostraram que é muito mais fácil treinar mão de obra de baixa qualificação em tarefas mais industrializadas do que em tarefas artesanais. A maior parte da força de trabalho das obras alemães e francesas são de imigrantes africanos, que muitas vezes sequer falam a língua do pais, usadas pelos gestores e engenheiros, e nem por isso as construções deixaram de usar tecnologia de ponta ou perderam sua produtividade. Porque não observamos e aprendemos com o que eles fizeram?
- A perda de operários pelas construtoras advém da ideia do uso de mão de obra própria. Essa tem sido a pior alternativa de contratação já verificada, principalmente pela elevada ociosidade e a rotatividade de contratação devido aos ciclos de produção que passam as nossas obras. Esse assunto em particular vamos discutir mais a frente quando discutirmos a fundo a organização da produção para a industrialização.
- A função social da Construção Civil não é e não pode ser diferente da de qualquer outro setor da economia. Não podemos ser condenados ao atraso, com seus consequentes custos e riscos associados, em prol de um tipo de política populista e totalmente equivocada. Até o Setor Agrícola já se livrou desse fardo, porque nós insistimos em permanecer com ele?
- Ao evoluirmos para formas industrializadas de produção teremos também que mudar a forma de organizar a produção e isso é normal. São questões que serão resolvidas e não podemos supor que elas vão impedir nosso desenvolvimento, como não impediram o desenvolvimento no 1º mundo.
- Alguns amigos disseram que eu estava sendo injusto com o setor e que tem havido muita evolução na Construção. Inclusive me mandaram alguns sites de empresas produtos para eu mudar de ideia. Os sites eu reproduzo abaixo:
- https://youtu.be/dIKTFJgnGPQ (sobre um robô que argamassa paredes internas).
- https://youtu.be/8NO!0OBIT-8 (sobre vários dispositivos de aplicação de argamassa, peneiras de saibro, etc).
- https://youtu.be/4vi3365KR8E (sobre um dispositivo para aplicar argamassa de assentamento de tijolos).
- https://youtu.be/vf3Q1cdPdi0 (sobre um robô bastante sofisticado e grande para assentamento de tijolos).
Comentário: Ao contrário do que podemos supor, ver robôs ou maquinas automáticas assentando tijolos, aplicando argamassas ou peneirando saibro me parece ser toda a contradição que temos que superar para um desenvolvimento tecnológico sustentável. Embora reconheça o valor da evolução permanente, sou da opinião que devemos agora mudar profundamente nossos conceitos, dar um salto, como muitos setores da economia fizeram e continuam a fazer periodicamente.
Algum de vocês já imaginou como o mundo chegou no desenvolvimento do avião? É claro que começou com balões. Incrementou-se a tecnologia do balão a ar quente de Gutemberg até os dirigíveis Zepelim, mas chegou uma hora que precisou-se voar muito mais rápido do que os 100 Km/h, limite dos dirigíveis. Naquela hora, não se pensou em instalar motores a jato em dirigíveis e assim iniciou-se a evolução para os aviões os quais voam hoje a 1.000 Km/h. Se tivéssemos ainda voando de dirigíveis, uma viagem para a Europa levaria 3 a 4 dias e custaria com certeza uma pequena fortuna, algo como uns US$ 30.000. Hoje com aviões, levamos 10 horas e o custo não ultrapassa os US$ 1.500.
Isso também não significa que devemos evoluir nossa construção com características de 1920 de forma incremental pois o mundo já está bem na frente e podemos (e precisamos) usar a experiência deles acumulada. Quando a Embraer foi criada, o 1º mundo já fazia grande jatos a muito tempo. A Embraer não começou desenvolvendo balões dirigíveis mas começou com aviões turbo hélice e em seguida jatos. Agora fabricamos jatos de porte, considerados entre os melhores do mundo, usando no início muito da experiência de empresas estrangeiras. O mesmo aconteceu com nossa agricultura. Com a criação da Embrapa e tudo que a cerca, não evoluímos para o desenvolvimento da enxada dupla e nem do arado sofisticado. Começamos equipando o campo com maquinas modernas, importadas ou montadas aqui e usamos conceitos de alta tecnologia em biologia, genética e de processos de gestão moderna. O resultado é que o Brasil tem hoje uma das melhores produtividades agrícolas do mundo.
Porque temos que perder tempo, dinheiro, tentar gerenciar enormes riscos e condenar nossos trabalhadores a trabalhos penosos, perigosos e extenuantes em nosso setor?
Porque temos que manter nossa mentalidade atávica de empilhar tijolos?
Essas foram as minhas ponderações mais imediatas. Como já falei, não encarem essa discussão como critica. É importante discutirmos essas e outras questões de forma a podermos mudar a percepção dos líderes de nosso setor e com isso iniciarmos um grande salto na qualidade e na produtividade. Não deixem de enviar questões e comentários, pois são todos muito bem-vindos.
No próximo artigo vou retomar a discussão da nossa situação atual e da que queremos (ou precisamos) chegar.
Obrigado, Luiz Henrique Ceotto