De certa forma a produtividade tem sido um conceito muito pouco valorizado pela nossa Construção Civil, principalmente pelo setor de edificações. Em minha opinião esse comportamento decorre do uso histórico de mão de obra de baixa qualificação.
Como a baixa qualificação está intimamente ligada à baixa remuneração, o desperdício de mão de obra nunca foi uma preocupação que pudesse tirar o sono do nosso setor e por isso temos muito pouca prática de como medi-la.
Investimentos em tecnologia que pudessem resultar num aumento significativo de produtividade foram experimentados por pouquíssimas empresas e na maioria das vezes abandonados rapidamente.
Com os altíssimos juros praticados nas últimas décadas, o aumento da produtividade não foi suficiente para remunerar esses investimentos. Como consequência, o setor ficou atavicamente ligado ao uso da mão de obra intensiva e acabou se acostumando com isso.
Entretanto, os tempos mudaram. Estamos diante de uma mão de obra cara mesmo diante da crise que estamos passando. Os custos indiretos fazem com que o custo da mão de obra seja muito alto comparado a remuneração paga diretamente ao trabalhador.
Também a enorme e complexa regulamentação das leis trabalhistas vem aumentando muito o risco das contratações.
Gradativamente a produtividade está se tornando um assunto importante nas empresas e sua importância será cada vez maior com a redução da disponibilidade da mão de obra que o setor irá experimentar na próxima década em função do envelhecimento demográfico dos trabalhadores.
As construtoras precisarão enfrentar esse desafio da produtividade. Se essa questão não for encarada de forma firme e sistemática, corre-se o risco da construção civil permanecer sendo uma indústria instável, pouco rentável e destinada a atrair poucos investimentos.
Conceito de produtividade
O conceito da produtividade é muito simples e refere-se à quantidade de um insumo necessária para a fabricação de uma unidade de produto.
Aqui estaremos considerando a produtividade do trabalho humano, ou seja, a quantidade de horas homem trabalhadas para produzir uma unidade de produto.
Essa unidade pode ser 1 m2 de construção, 1 m2 de alvenaria, 1 m3 de estrutura e assim por diante.
Medição da Produtividade
A produtividade é mais lembrada quando, ao se fazer um orçamento, nos deparamos com composições tiradas de revistas, que não levam em conta o processo de trabalho adotado, as especificidades dos serviços a serem executados, ferramentas e equipamentos utilizados, etc.
Inexplicavelmente sempre induzem uma proporção 1:1 entre oficiais e serventes além da produtividade não variar com o local onde o trabalho é feito.
Ao se tentar medir e controlar a produtividade usando-se essas composições como referência é necessário a utilização de inúmeros “apropriadores”, pois o serviço é planejado de forma muito fragmentada tendo como resultado enorme variabilidade nos números apurados.
A dificuldade da medição e os altos custos dessas apropriações desestimulam essas iniciativas e pouca coisa tem sido feita na melhoria dessa abordagem.
Para obtermos números mais estáveis e, portanto, mais úteis num processo gerencial, a produtividade tem que ser avaliada de forma mais abrangente e simples.
Do ponto de vista gerencial, é mais importante saber o total de mão de obra usada para se fazer toda a estrutura do que para uma parte do serviço, tais como o corte de chapas de compensado.
Os valores da produtividade de toda estrutura são muito mais estáveis do que a produtividade do corte das chapas, a qual dependerá de diversos fatores e será muito mais influenciada por qualquer pequena variação desses fatores.
Isso decorre da “Lei dos Grandes Números” onde uma variável estatística decorrente de uma grande soma de fatores aleatórios tende a variar menos do que suas partes.
Não significa que a medição da produtividade de etapas de um serviço nunca deva ser feita, mas que é mais importante controlar a produtividade do serviço completo de forma contínua do que tentar obter a produtividade de cada uma das partes do processo.
Avaliar a Produtividade
A produtividade das partes é importante para avaliar o entrosamento do fluxo de produção ou para propor uma alternativa de processo de trabalho.
A produtividade de toda a estrutura pode ser usada para comparar obras e soluções de estruturas diferentes bem como para nos anteciparmos a custos mais altos a serem enfrentados por empreiteiros.
A produtividade total do serviço pode ser facilmente avaliada, com custos muito baixos, dispensando-se a utilização de “apropriadores”, bastando-se para isso se usar recursos já implantados pela maioria das empresas tais como o crachá de identificação e/ou o diário de obra.
Como cada operário ao entrar num canteiro de obras deve estar devidamente identificado, o crachá pode ser “lido” na entrada da obra através de sistema de catracas ou por sensores de aproximação (menos sujeitos a defeitos por intempéries).
Caso a obra não disponha desse tipo de sistema, cada empreiteiro ou líder de equipe deve informar diariamente à administração da obra a relação do pessoal que está sob sua responsabilidade.
Essa relação com o nome de cada trabalhador e a equipe a que pertencem deve ser apontada no diário de obra. Com essas informações é possível se obter a produtividade alcançada no final de cada serviço, de forma muito simples somente apurando-se os trabalhadores locados na obra para cada tipo de serviço.
Como cada operário trabalha, ou está disponível para trabalhar, diariamente numa jornada de nove horas, o total das horas trabalhadas no final de qualquer serviço pode ser obtido pela soma do produto do efetivo diário por 9 hs.
Como cada trabalhador pertence a equipe de um empreiteiro (e cada empreiteiro a um serviço específico), podem-se obter as horas trabalhadas em cada serviço (estrutura, alvenaria, massa de fachada, sistemas hidro-sanitários, etc) pela alocação correta do operário em cada serviço no diário de obra.
Como aumentar produção
A produtividade pode ser obtida dividindo-se essas horas trabalhadas pela quantidade de serviço executado (m2 ou m3 de estrutura, m2 de parede pronta, pontos hidráulicos, pontos elétricos, etc).
Nesse procedimento não é possível saber a produtividade da fixação das prumadas hidráulicas em um edifício, mas é possível com facilidade se saber a produtividade da execução do sistema hidráulico por banheiro ou por m2 de área construída.
A produtividade medida dessa forma considerará horas ociosas, horas perdidas por falta de materiais, horas de transporte de materiais, etc, mas do ponto de vista do controle da produtividade é o que realmente importa.
Pouco adianta saber a produtividade de um serviço com dedicação total e com tudo dando certo. Essa produtividade “ideal” é somente importante para se saber o “potencial” de produtividade que se pode almejar. Essa produtividade “potencial” deve então ser obtida por amostragem e somente de forma eventual.
Fatores diretos e indiretos mais importantes
Na parte 1 discutimos o conceito da produtividade e uma alternativa de medi-la com baixos custos de apropriação. Agora vamos analisar os principais fatores que afetam a produtividade e o que fazer para melhorá-la substancialmente.
Podemos listar diversos fatores que afetam a produtividade de forma intensa. De uma forma simplificada podemos agrupá-los em fatores diretos (que são decorrentes do estágio tecnológico do setor/empresa) e fatores indiretos (que são decorrentes do estágio de desenvolvimento humano do setor/empresa). Os principais fatores desses 2 grupos são relacionados abaixo.
Fatores Diretos:
- Processo Construtivo
- Qualidade do projeto
- Qualidade do planejamento físico da obra e programação dos insumos
- Qualidade da contratação/supervisão
- Fluxo, transporte e estoques dos insumos no canteiro
- Controle da qualidade e da terminalidade
Fatores indiretos
- Formalização do trabalho
- Higiene e segurança do trabalho
- Informação
- Reconhecimento
- Remuneração/premiação
- Liderança da equipe administrativa
- Ética
Os fatores diretos dizem respeito ao processo e a organização do trabalho e os indiretos à motivação do trabalhador. A produtividade somente atinge valores elevados quando um bom nível de desenvolvimento é obtido nesses dois grupos de forma simultânea.
Fatores Diretos – Do processo de trabalho
Processo Construtivo
Esse é um conceito muito abrangente e por si só é tema de diversos livros e simpósios. Já tive a oportunidade de discutir esse tema por algumas vezes em artigos e palestras, mas vale à pena mencionarmos novamente alguns pontos importantes que muitas vezes são esquecidos na obtenção da produtividade.
Existem várias maneiras de analisar um processo construtivo, mas no que se refere à produtividade dois fatores são preponderantes: o percentual de atividades artesanais envolvidas e o nível de interferência entre as diversas partes da construção.
Quanto maior a quantidade de atividades artesanais, maior a dependência da habilidade humana na obtenção da produtividade. As atividades artesanais são muito mais difíceis de serem sistematizadas e controladas, produzindo resultados com grande dispersão de valores. São atividades de difícil aprendizado com treinamento do operário demandando longos períodos de tempo e de resultados muitas vezes insertos.
Quanto mais atividades artesanais um processo construtivo tem, menor a produtividade que se pode obter e maior a necessidade de investimento em treinamento.
O mesmo pode-se dizer sobre a quantidade de interferências entre as diversas partes da construção (subsistemas). Toda vez as interfaces não são previamente resolvidas, a produtividade é muito reduzida. Nessa situação, as atividades de arremates predominam, fazendo com que parte de serviços prévios tenham que ser destruídos e refeitos para anexar ou juntar novas atividades ou subsistemas.
O processo construtivo predominante no Brasil é abundante nesses dois fatores. Cada parte das nossas obras é feita de forma artesanal, com muita improvisação e baixíssimo nível de sistematização.
O uso da mecanização ainda é muito baixo e a força humana em serviços penosos é ainda predominante. Além disso, o nível de interferência de cada subsistema é altíssimo.
Estruturas de Concreto Armado
Nossas estruturas de concreto armado são feitas com muitas vigas que interferem nas vedações verticais que interferem nos caixilhos e nos sistemas prediais, que interferem nos revestimentos, uma sequência infindável de arremates e desperdícios.
Por sua vez, cada subsistema é feito com processos artesanais e de baixa produtividade, utilizando ferramentas rudimentares e de baixa precisão. Nosso sistema construtivo é naturalmente impreciso e para se obter qualidade é necessário muito esforço.
Como exemplo, podemos citar as vedações verticais que são predominantemente feitas em blocos de concreto ou cerâmico onde é necessária muita habilidade dos pedreiros para manter as paredes no prumo e esquadro enquanto produzidas.
Posteriormente essas vedações precisam ser rasgadas para a inserção dos sistemas prediais, rasgos esses que fragilizam totalmente as paredes e geram grande possibilidade de patologias.
Os revestimentos são feitos também artesanalmente num processo “úmido” de difícil controle da espessura, planicidade e da textura. A dificuldade de controle fica ainda maior na fachada, justamente um dos locais de maior responsabilidade por se constituir o envelope do edifício.
Nosso sistema construtivo é ultrapassado, intrinsecamente ruim, improdutivo, de baixo desempenho, mas infelizmente estamos atavicamente ligados a ele por motivos culturais e econômicos.
O baixo nível de remuneração, o baixo nível gerencial, as crises econômicas freqüentes e outros infindáveis problemas setoriais fazem com que não consigamos dar um salto qualidade significativo nesse assunto. Estamos nessa “mesmice” a muitas décadas e se algo não for feito vamos continuar assim por muitas mais.
Qualidade do projeto
Esse é um item que houve algum avanço nos últimos 10 anos, mas ainda esta muito longe de ser resolvido. Os projetos normalmente são feitos por profissionais de bom nível teórico, mas de pouca experiência prática de construção.
Como resultado muitas decisões importantes são tomadas na hora da execução por falta de detalhamento adequado, sem uma análise mais sistêmica da construtibilidade.
Muitas dessas decisões são tomadas pelos próprios operários sem a participação da engenharia. Como não existe edifício construído sem que todas as decisões tenham sido tomadas, as que não forem decididas pela engenharia o serão por leigos ou por pessoas inexperientes tendo como conseqüência a perda de qualidade e da produtividade.
É certo que o processo construtivo não ajuda no processo de projeto, pois é difícil um detalhamento correto com a presença de um alto grau de atividades artesanais e imprecisas.
Nesse caso, partes do projeto são detalhadas sem a segurança de como serão realmente construídas. Infelizmente, a participação das equipes de obra no projeto ainda não é suficientemente valorizada por todos os envolvidos.
Qualidade do planejamento físico da obra e programação dos insumos
Como as atividades são fortemente artesanais e como o nível de interferência entre as partes das obras é muito grande, as condições do planejamento são muito dificultadas.
O uso de processos rudimentares faz com que o planejamento seja confundido com a simples elaboração de um gráfico de Gantt. A maior parte dos planejamentos analisa somente a atividade isoladamente esquecendo das premissas necessárias para seu inicio e as interferências com atividades predecessoras e as condições mínimas para o início dos serviços com suas devidas antecedências.
A formação dos profissionais de construção em planejamento é tão elementar que se tornou uma atividade terceirizada mesmo sendo a principal atividade estratégica de uma construtora.
Um planejamento mal feito resulta em tempos excessivos de espera por frentes de serviço, processo de contratação iniciada em cima da hora, negociações malfeitas, falta de insumos para o início e continuidade dos serviços, falta de consistência do processo de transporte, grande quantidade de estoques intermediários, e assim por diante.
Infelizmente, esse é um dos fatores que mais afeta a produtividade e que ainda estamos devendo uma melhoria expressiva no seu desenvolvimento.
Qualidade da contratação/supervisão
Na maioria das vezes o foco principal do processo da contratação é o preço e o prazo sendo todos os demais itens relegados a um segundo plano. Raramente é discutido a especificação do processo de descarga, de transporte ou do processo de trabalho e a equipe a ser empregada.
Discutir quais tipos de ferramentas e equipamentos serão usados é algo que raramente acontece.
Dessa forma é comum vermos obras que usam tecnologias mais modernas como drywall, fachadas pré-fabricadas, sistemas hidráulicos sofisticados, virando argamassas na enxada ou descarregando caminhão usando o “lombo” dos operários como meio de transporte.
Com a desculpa de que o empreiteiro é o “especialista” naquele serviço, tudo é deixado sob sua responsabilidade e quase nada é analisado em profundidade. O engenheiro atualmente não vê como sua responsabilidade a viabilização total da produção do canteiro. Após o inicio dos serviços, ele então inicia a retórica de criticas, cobranças e pressões por prazo em cima dos empreiteiros como se ele não tivesse nada haver com a solução do problema.
Temos que entender que as empresas empreiteiras no Brasil são tecnicamente e financeiramente frágeis e se não houver por parte dos contratantes uma eficiente relação de ajuda, o maior prejudicado será justamente a obra com a redução da produtividade e o conseqüente aumento dos custos e dos prazos.
É dever de um bom engenheiro ajudar os seus empreiteiros de forma que eles possam ter lucro e não quebrem durante o período que estiverem na sua obra.
Uma contratação bem-feita e discutida, um projeto analisado junto com o empreiteiro, um planejamento discutido em detalhes, bem como um processo de trabalho bem definido e controlado, ajuda a formar um empreiteiro e possibilita uma melhoria contínua da sua produtividade que será então considerada por ele nas próximas contratações.
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No próximo vamos discutir a logística do canteiro através do estudo do fluxo, transporte e estoques de insumos bem como do aumento da produtividade através do controle da qualidade e da terminalidade dos serviços.