Você já ouviu falar de Difal na construção civil? Pois bem, este é um dos tópicos polêmicos e que geram muitas questões no intrincado sistema tributário brasileiro. O Difal – sigla para a expressão “Diferencial de Alíquotas” – é um instrumento criado para corrigir as distorções regionais de recolhimento do ICMS em operações interestaduais.
O assunto encontra-se no epicentro de uma complexa reorganização da malha de tributos brasileira na última década, e tem gerado dúvidas no setor da construção, devido a um vaivém jurídico que exploraremos neste artigo.
Nas próximas seções, exploraremos a evolução do Difal, sua aplicação específica na construção civil e as consequências das recentes mudanças legislativas para as empresas do setor.
Sistema tributário brasileiro: ICMS e ISS
O sistema tributário brasileiro é conhecido por sua complexidade e elevada carga tributária. Constituído por uma variedade de impostos, taxas e contribuições, ele é regido principalmente pela Constituição Federal de 1988, Código Tributário Nacional (CTN) e legislações complementares.
Há tributos de competência das três esferas federativas:
- União;
- Estados e Distrito Federal;
- Municípios.
Dentre os diversos tributos, destacamos o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e o ISS (Imposto Sobre Serviços).
Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS)
- Natureza: É um imposto estadual, ou seja, de competência dos Estados e do Distrito Federal.
- Incidência: Incide sobre a circulação de mercadorias, bem como sobre a prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que essas operações e prestações se iniciem no exterior.
- Características: O ICMS é um imposto não-cumulativo, permitindo que o valor devido em uma operação seja compensado com o valor cobrado em operações anteriores. Ele possui alíquotas internas (dentro do estado) e interestaduais (entre estados), e pode variar conforme o produto ou serviço.
ISS (Imposto Sobre Serviços):
- Natureza: É um imposto municipal, sendo de competência dos Municípios e do Distrito Federal.
- Incidência: Incide sobre a prestação de serviços listados em lei complementar.
- Características: A base de cálculo é o preço do serviço e a alíquota varia conforme determinação de cada município. Diferentemente do ICMS, o ISS não é cumulativo.
ICMS e ISS na construção civil
No âmbito da construção civil, surgem dúvidas e desafios em relação à tributação, principalmente pelo fato de a atividade envolver tanto a circulação de mercadorias (materiais de construção) quanto a prestação de serviços (mão de obra).
A construção civil, em sua essência, é predominantemente uma atividade de prestação de serviço, sendo, portanto, tributada pelo ISS. Contudo, há uma particularidade: enquanto o serviço de construção em si é tributado pelo ISS, os materiais empregados na obra são onerados por esse imposto.
A complexa legislação sobre o tema tem mudado bastante nos últimos anos, ora isentando, ora responsabilizando as empresas de construção civil pelo recolhimento do imposto,
Esse cenário leva a situações onde as empresas do setor precisam lidar simultaneamente com as obrigações relacionadas ao ISS – na prestação do serviço de construção – e ao ICMS – na aquisição de insumos, particularmente no que toca ao recolhimento do Difal (Diferencial de Alíquotas), que entenderemos melhor na próxima seção.
Como você pode perceber, isso exige um controle gerencial e contábil apurado, uma vez que a correta segregação entre mercadorias e serviços e a consequente tributação correta são essenciais para evitar contingências fiscais.
O que é Difal?
O Difal (Diferencial de Alíquotas) refere-se a uma regra específica no sistema tributário brasileiro relacionada ao ICMS. Esse mecanismo foi instituído para equilibrar a arrecadação de ICMS entre os estados de origem e de destino de uma mercadoria ou produto, como materiais de construção, principalmente em operações interestaduais.
Finalidade do Difal
Antes da implementação, quando uma empresa de um estado (por exemplo, São Paulo) vendia um produto para um consumidor final de outro estado (por exemplo, Rio de Janeiro), o ICMS devido na operação ficava integralmente no estado de origem (São Paulo). Contudo, para redistribuir parte dessa arrecadação ao estado de destino, foi criado o Difal.
Cálculo do Difal
Ele considera a diferença entre a alíquota interna do estado de destino da mercadoria e a alíquota interestadual do estado de origem.
Quem paga o Difal?
A responsabilidade pelo pagamento do Difal é do remetente da mercadoria quando este for contribuinte do ICMS. Em alguns casos, no entanto, o destinatário poderá ser responsável pelo pagamento. É o que ocorre com empresas de construção civil.
Mudanças recentes na legislação
A Emenda Constitucional nº 87 de 2015 introduziu mudanças na forma como o Difal é dividido entre os estados. Desde 2016, o Difal começou a ser repartido entre o estado de origem e o estado de destino. A proporção dessa divisão foi modificada gradualmente até 2019, quando ficou determinado que 100% do Difal fosse destinado ao estado de destino da mercadoria.
Difal na construção civil
Em um artigo publicado na revista Consultor Jurídico em agosto de 2022, os advogados Wilson Sahade e Marcelo Azambuja fazem um resumo da discussão jurídica recente sobre a aplicação do Difal na construção civil brasileira, sintetizado na linha do tempo a seguir.
Histórico recente: Linha cronológica das principais mudanças legislativas
- 2010: O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decide que os estados não podem cobrar das empresas de construção civil o Difal do ICMS. Esta decisão é consolidada na Súmula 432 do STJ.
- 2015: A Emenda Constitucional nº 87 é aprovada, modificando artigos da Constituição Federal que se referem ao ICMS. Essa emenda possibilita o pagamento do Difal, inclusive para aqueles que não são contribuintes diretos do ICMS.
- Pós-2015: Com base na Emenda Constitucional nº 87, os Fiscos Estaduais retomam a cobrança do Difal do ICMS para a construção civil.
- 2021: O Supremo Tribunal Federal (STF) julga a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5469 e decide que, mesmo após a Emenda Constitucional nº 87, os estados não podem cobrar o Difal do ICMS, a menos que haja uma Lei Complementar regulamentando a questão. Esta decisão começaria a valer em 1º de janeiro de 2022.
- Janeiro de 2022: É publicada a Lei Complementar nº 190, que regulamenta a cobrança do Difal do ICMS.
- Abril de 2022: A Lei Complementar nº 190 entra em vigor, conforme estabelecido em seu artigo 3º. No entanto, contribuintes questionam esta data, alegando que, seguindo o princípio da anterioridade anual, a lei deveria valer apenas a partir de 1º de janeiro de 2023.
Difal para construtoras
Quando a venda interestadual de um produto é realizada para entidades que não possuem inscrição estadual e não atuam no comércio de mercadorias – como é o caso das empresas de construção civil – é necessário o recolhimento do ICMS Difal pela organização compradora.
Como o assunto é complexo e demanda a análise de produtos e legislações específicas de cada local, o ideal é sempre contar com a consultoria de empresas de contabilidade especializadas nas questões tributárias específicas do setor da construção civil.
Tabela de ICMS
A tabela de alíquotas de ICMS interestadual e interna é indispensável para o cálculo do Difal.
Como calcular o Difal
O cálculo do Difal segue as seguintes etapas, considerando um exemplo simples:
1. Base de cálculo
A base de cálculo do ICMS é o total da operação. Se a compra totalizar R$ 10.000 e o frete, R$ 2.000, a base de cálculo é de R$ 12.000.
2. Alíquotas estaduais
Use a tabela de ICMS para identificar as alíquotas interestadual e interna da Unidade Federativa de origem. Em nosso exemplo, vamos imaginar que a venda foi feita por uma empresa da Paraíba (12% de alíquota interestadual) para uma empresa de São Paulo (18% de alíquota interna).
3. Diferença de alíquotas
São três cálculos rápidos:
- ICMS na Paraíba (origem): R$ 12.000 x 12% = R$ 1.440
- ICMS em São Paulo (destino): R$ 12.000 x 18% = R$ 2.160
- Difal = R$ 2.160 – R$ 1.440 = R$ 720
4. Fundo de combate à pobreza
A maioria das UFs cobra esse adicional de ICMS e define uma lista de produtos tributados. Os recursos são destinados a programas públicos de nutrição, saúde, habitação e educação. Em São Paulo, a alíquota fixa é de 2%, aplicada sobre a base de cálculo.
FCP = R$ 12.000 x 2% = R$ 240
5. Valor total do Difal a recolher
O valor final, portanto, é a soma dos passos 3 e 4:
Difal a recolher = R$ 720 + R$ 240 = R$ 960
Vale lembrar que o exemplo acima é meramente ilustrativo e, como explicamos, deve ser tratado por especialistas no sistema tributário do setor da construção civil.
Conclusão
O sistema tributário brasileiro, notoriamente complexo, traz desafios específicos para o setor da construção civil, que apesar de se enquadrar no setor de serviços, deve também se preocupar com o recolhimento de impostos sobre mercadorias (ICMS).
O Difal (Diferença de Alíquotas) é um instrumento tributário obrigatório que visa equilibrar a arrecadação de ICMS entre Estados. As recentes mudanças legislativas que cercam o tema têm ampliado a discussão sobre sua aplicação na construção civil.
O contínuo vaivém jurídico, exemplificado por decisões de tribunais superiores e emendas constitucionais, reforça a necessidade de as empresas do setor estarem constantemente atualizadas e acompanhadas por especialistas em tributação.
A precisão no cumprimento das obrigações fiscais, aliada à compreensão da aplicação do Difal nas operações interestaduais, é crucial para garantir a saúde financeira e evitar surpresas indesejadas na gestão das construtoras.