Guia do Estudo de Impacto na Vizinhança (EIV)

Ricardo Nacarato

Escrito por Ricardo Nacarato

4 de dezembro 2023| 12 min. de leitura

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Guia do Estudo de Impacto na Vizinhança (EIV)

A abordagem consciente do desenvolvimento urbano requer a consideração cuidadosa dos impactos que novas construções e atividades podem exercer sobre a vizinhança. Nesse contexto, o Estudo de Impacto na Vizinhança (EIV) emerge como uma ferramenta essencial no planejamento urbano, projetada para identificar, avaliar e gerenciar os efeitos urbanísticos decorrentes da implementação de empreendimentos, sejam eles públicos ou privados.

No âmbito legal, o EIV encontra sua fundamentação no Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/2001) e nos Planos Diretores municipais, delineando um caminho normativo para a aplicação desse instrumento. Seu propósito vai além da mera observação dos impactos potenciais, buscando também prevenir, mitigar e, quando necessário, compensar os efeitos adversos que possam surgir na área de influência vizinha.

Se você tem interesse nesse assunto e deseja saber mais sobre o Estudo de Impacto na Vizinhança (EIV), chegou ao lugar certo. Neste artigo vamos guiar você por entre os principais aspectos deste importante instrumento urbanístico. Vamos lá? 

O que é o Guia do Estudo de Impacto na Vizinhança (EIV)?

O Estudo de Impacto na Vizinhança (EIV) representa uma análise prévia das implicações, tanto positivas quanto negativas, decorrentes da implementação de empreendimentos, intervenções urbanísticas ou operações que possam exercer uma sobrecarga significativa na estrutura urbana de uma determinada localidade, ou seja, na sua vizinhança.

Dentro desse conceito, torna-se evidente que o EIV não é uma exigência genérica, aplicando-se apenas a empreendimentos de maior impacto capazes de influenciar substancialmente a dinâmica espacial, logística e até mesmo cultural da população residente nas proximidades. Sua aplicação está estreitamente vinculada ao Plano Diretor do Município, um instrumento fundamental para o controle e gestão do crescimento das zonas urbanas.

O artigo 36 do Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/01) delineia claramente o alcance do EIV, especificando que cabe à lei municipal definir os empreendimentos e atividades, públicos ou privados, em áreas urbanas, que requerem a elaboração desse estudo prévio para obter licenças ou autorizações municipais para construção, ampliação ou funcionamento.

Considerando-se o panorama sob a perspectiva do empreendedor, o EIV emerge como uma peça indispensável para a obtenção das licenças e autorizações cruciais relacionadas à construção, expansão ou operação de um empreendimento. Em essência, ele se configura como um instrumento técnico, assemelhando-se ao Estudo de Impacto Ambiental (EIA), ambos destinados a proporcionar conhecimento prévio sobre os impactos de um empreendimento, cada um em sua esfera: o EIV voltado para a urbanidade e o EIA para o meio ambiente.

EIV x EIA 

Embora compartilhem semelhanças, é essencial reconhecer as distintas finalidades e exigências entre o EIV e o EIA. Enquanto o primeiro concentra-se nos efeitos do empreendimento na urbanidade, como tráfego de veículos, adensamento populacional e poluição, o segundo dedica-se à identificação das alterações ambientais para viabilidade de projetos, especialmente em locais não urbanizados.

A natureza local do EIV, mesmo advindo do Estatuto da Cidade de alcance nacional, destaca-se na prerrogativa municipal de definir os parâmetros e os empreendimentos que demandarão a elaboração desse estudo, reforçando sua importância como uma ferramenta flexível e adaptável às peculiaridades de cada comunidade.

Como funciona o Estudo de Impacto na Vizinhança (EIV)?

O funcionamento do Estudo de Impacto na Vizinhança (EIV) é regido por diretrizes estabelecidas no Estatuto da Cidade, destacando a competência municipal para sua regulamentação. Este instrumento, essencial para o planejamento urbano sustentável, exige uma abordagem abrangente, considerando tanto os aspectos positivos quanto os negativos relacionados à implementação de empreendimentos ou atividades.

Conforme previsto no artigo 37 do Estatuto da Cidade, o EIV deve contemplar, no mínimo, análises sobre:

  • Adensamento populacional;
  • Equipamentos urbanos e comunitários;
  • Uso e ocupação do solo;
  • Valorização imobiliária;
  • Geração de tráfego e demanda por transporte público;
  • Ventilação e iluminação;
  • Paisagem urbana e patrimônio natural e cultural.

Além disso, o EIV é um processo transparente, uma vez que seus documentos são disponibilizados para consulta pública no órgão competente do Poder Público municipal. Em regiões mais desenvolvidas, como São Paulo e Belo Horizonte, o EIV pode abranger exigências adicionais, como análise da geração de ruídos, impacto na economia local, alterações no zoneamento do Plano Diretor e condições de acessibilidade para modos de locomoção não motorizados.

É crucial compreender que, para além da sua função analítica, o EIV desempenha um papel de mediador de conflitos. Ao informar antecipadamente a gestão municipal sobre as implicações de um empreendimento, qualitativa e quantitativamente, o EIV busca harmonizar interesses públicos e privados. Essa antecipação de potenciais divergências é um dos elementos mais notáveis do EIV, permitindo a busca proativa de soluções que conciliem os interesses em conflito.

O aspecto público do EIV, evidenciado pelo parágrafo único do artigo 37 do Estatuto da Cidade, destaca sua relevância na antecipação de possíveis discordâncias entre o público e o privado, proporcionando uma base sólida para a construção de consensos e a promoção de um desenvolvimento urbano mais equitativo e sustentável.

Qual a regulamentação do EIV?

A regulamentação do Estudo de Impacto na Vizinhança (EIV) constitui um componente essencial para assegurar sua efetiva aplicação no contexto municipal. O Estatuto da Cidade, ao preconizar a obrigatoriedade do EIV, não especifica o tipo de legislação que deve reger esse instituto, resultando em uma diversidade de abordagens nas esferas municipais.

É comum encontrar EIVs estabelecidos por leis específicas, inseridos nas leis orgânicas dos municípios ou mesmo de maneira dispersa em diversos textos legislativos locais. A Resolução nº 34/2005 do Conselho Nacional das Cidades recomenda que os critérios para aplicação do EIV estejam incorporados ao Plano Diretor, dada a estreita relação entre essa figura e o planejamento urbano estratégico.

Dessa forma, a normatização legislativa do EIV deveria abranger:

  • Os tipos de empreendimentos ou atividades sujeitos à exigência do EIV;
  • A natureza dos impactos a serem analisados;
  • Critérios para a definição de medidas compensatórias;
  • Critérios para determinar a área de influência do empreendimento;
  • As competências do Poder Público e dos empreendedores no processo do EIV.

Lembrando que é muito importante que a regulamentação seja clara quanto aos procedimentos e fluxos para a aprovação do EIV, mesmo que estes possam variar entre municípios. A ausência de diretrizes claras pode resultar em assimetrias de informação, custando caro tanto à população local quanto às autoridades municipais no futuro. 

Portanto, a definição precisa desses aspectos contribui para a eficácia do EIV como ferramenta de gestão urbana, promovendo transparência, participação pública e decisões informadas sobre o desenvolvimento urbano.

Como aprovar um EIV? 

A aprovação do Estudo de Impacto na Vizinhança (EIV) transcende a mera observância de requisitos objetivos, diferenciando-se de muitos procedimentos administrativos. Esta distinção é derivada da profunda conexão do EIV com a promoção da função social da propriedade no contexto urbano.

Ao contrário de procedimentos estritamente burocráticos, a aprovação do EIV não se baseia unicamente na conformidade do projeto com as regras urbanísticas e exigências legais. Mesmo que um empreendimento atenda a todas as normas estabelecidas, sua aprovação, licenciamento ou até mesmo a condicionamento desses processos podem ser influenciados pela avaliação de possíveis distúrbios ao interesse público, sob a perspectiva da função social da propriedade.

Nesse sentido, o EIV redefine a concepção de licenciamento como um ato administrativo meramente “puro”. Ele se transforma em um ato público, sujeito a discussões com a sociedade e aprovação em consonância com os interesses coletivos.

A participação cidadã desempenha um papel crucial nesse processo, estendendo-se não apenas aos moradores imediatos, mas possivelmente a toda a comunidade, inclusive aqueles temporariamente presentes, como trabalhadores e frequentadores de instituições locais. Em um equilíbrio entre vantagens e desvantagens, é por meio da análise contextual do projeto e das informações contidas no EIV que se determina se as modificações propostas irão gerar um saldo positivo ou negativo para a coletividade, considerando sempre a perspectiva da função social da propriedade.

Exemplos de aplicação do Estudo de Impacto na Vizinhança (EIV)

O Estudo de Impacto na Vizinhança (EIV) pode ser aplicado em uma variedade de situações onde a implementação de empreendimentos ou atividades pode ter impactos significativos na comunidade local. Alguns exemplos de aplicação do EIV incluem:

  1. Empreendimentos Imobiliários de Grande Porte: Construção de complexos habitacionais, condomínios, shopping centers ou empreendimentos comerciais que possam influenciar o adensamento populacional, a demanda por serviços urbanos, o tráfego e a paisagem urbana.
  2. Infraestrutura Urbana: Projetos que envolvem a construção ou ampliação de infraestrutura, como estradas, pontes, viadutos, redes de transporte público, que podem afetar o tráfego, o acesso local e a qualidade de vida da população circunvizinha.
  3. Estabelecimentos Comerciais e Industriais: Abertura ou ampliação de estabelecimentos comerciais e industriais que possam gerar impactos como aumento de ruídos, tráfego de veículos, alterações no uso do solo e na economia local.
  4. Projetos de Energia eólica ou Solar: Implementação de parques eólicos ou usinas solares, que podem impactar visualmente a paisagem, a fauna e a flora local, além de gerar demanda por infraestrutura.
  5. Instituições de Ensino e Saúde: Construção ou ampliação de escolas, hospitais ou outras instituições, que podem afetar o trânsito local, a demanda por serviços públicos e a acessibilidade.
  6. Eventos de Grande Porte: Realização de eventos de grande escala, como shows, feiras e festivais, que podem impactar o tráfego, a segurança e a tranquilidade da vizinhança.
  7. Projetos de Recuperação Ambiental: Iniciativas voltadas para a recuperação de áreas degradadas, como parques e projetos de reflorestamento, que podem influenciar positivamente a qualidade de vida e a preservação ambiental na região.

Lembrando que a aplicação específica do EIV pode variar conforme a legislação local e as características de cada empreendimento ou atividade.