A governança em obras públicas ganhou importância para as milhares de construções públicas por todo o Brasil que nunca foram finalizadas. Aliás, você mesmo já deve conhecer algumas delas.
Este assunto causa dor de cabeça nos profissionais da construção civil, pois muitos deles viram de perto o drama dos projetos que se arrastam por anos e não chegam ao fim. Assim, além dos prejuízos para as empresas, sobra a enorme dívida social com a população, que precisa dessas obras e fica sem elas por anos.
Então esse tema volta e meia vira manchete na imprensa, com escândalos envolvendo autoridades, funcionários públicos e empresários. Aliás, essa é uma ferida aberta, que repercute em várias áreas da sociedade.
E a discussão sobre a governança e as obras públicas esquentou nos últimos anos. Por isso, neste artigo você vai ver tudo que precisa saber sobre o assunto, e vai receber sugestões para lidar com os empreendimentos do setor público.
37 mil empreendimentos paralisados
A situação das obras públicas no País sofreu uma grande mudança neste século. Antes, o problema era que muitas obras nunca saíam do papel, mas, infelizmente, o problema não foi resolvido. Em vez disso, só mudou de lado, já que agora muitas dessas obras nunca terminam.
Isso aconteceu a partir dos grandes investimentos públicos em vários setores. Alguns destes são habitação popular, saneamento e infraestrutura, entre outros.
Basta lembrar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado em 2007, que previa investimentos de mais de R$ 500 bilhões nessas áreas. Muitos projetos deram certo, mas muitos outros estão parados até hoje.
Isso já acontecia antes, mas a partir daí os casos aumentaram e o problema ficou mais evidentes. Tanto é que o Tribunal de Contas da União (TCU) fez um levantamento, em 2017, para saber a situação das obras inacabadas no País.
De 38.412 empreendimentos que foram analisados, 14.403 estavam parados. Ou seja, cerca de 37,5% dos contratos.
Em 2017 existiam 100 mil obras públicas contratadas apenas com recursos da União. Por isso, com base na amostragem do TCU, foram estimados incríveis 37 mil empreendimentos paralisados no País.
Estes dados foram apresentados num grande estudo publicado pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), escrito pelo engenheiro e especialista em gestão pública, José Eduardo Guidi.
Chamada “O Labirinto das Obras Públicas”, a publicação aponta que o prejuízo causado pelas construções paradas equivale a 30% de todo o estoque dívida pública federal em 2019. No ano passado, o déficit fiscal da União ficou em R$ 249 bilhões.
Já os gráficos abaixo mostram, primeiro, onde se concentra a maioria das obras paradas e, no segundo, quais os motivos de estarem paralisadas.
Fonte: TCU/CBIC
Empresas menos robustas e municípios menores
Outros dados mostram que 87,85% das obras paralisadas são de empresas menos robustas em sentido financeiro. Além disso, também são menos experientes do ponto de vista técnico.
Então, por atuarem nos empreendimentos de menor valor, sua contratação também teve menor grau de exigência, por tomada de preços ou convite.
O estudo diz o seguinte:
“Evidentemente, se os executores estão menos preparados ao desafio, quaisquer imprevistos, erros, falhas e/ou omissões, tendem a produzir um impacto muito maior no desenvolvimento dos contratos, não raras vezes, a consequência é fatal”.
Ao mesmo tempo, quase 80%de obras inacabadas estão nos municípios de pequeno porte. Esses municípios são exatamente os menos robustos financeiramente. Além disso, são os menos experientes em sentido técnico.
Também contam com menos recursos humanos, materiais e equipamentos para o desenvolvimento de projetos, fiscalização e acompanhamento das obras.
Assim se conclui que as soluções para o andamento seguro das grandes e pequenas obras não devem ser as mesmas. Seja como for, isso passa pela governança pública e é disso que vamos falar agora.
O que é governança pública
O Decreto Nº 9.203, de 22 de novembro de 2012, diz que a governança pública inclui formas de liderança, estratégia e controle.
Elas são usadas para avaliar, direcionar e monitorar a atuação da gestão a condução de políticas públicas e a prestação de serviços de interesse da sociedade.
É importante saber a diferença entre governança e gestão. Elas não são a mesma coisa, mas uma completa a outra.
De acordo com o TCU, a governança dá direção, monitora e avalia a gestão para atender as necessidades de todos os interessados, inclusive os cidadãos.
A gestão, por sua vez, distribui os recursos que estão à disposição da organização. Além disso, ela busca alcançar os objetivos estabelecidos.
Princípios da boa governança em obras públicas
A boa governança pública deve se orientar por princípios, como:
- Liderança competente e ética, que escuta os cidadãos;
- Estratégia, planejamento e coordenação das ações;
- Metas e indicadores de desempenho bem definidos;
- Gerenciamento e controle dos riscos;
- Prestação de contas;
- Transparência, com mecanismos para o controle externo e social;
- Tudo isso sempre sob o cumprimento estrito das leis e regulamentos.
Neste sentido, segundo o TCU:
“A boa governança funciona quando todos os mecanismos de liderança, planejamento, controle e participação funcionam bem. Assim, (a governança) favorece os melhores resultados, serviços públicos eficientes, educação e saúde de qualidade, meio ambiente equilibrado, segurança e mobilidade urbana, ou seja, o objetivo é melhorar a vida de cada cidadão.”
Elementos para a boa governança em obras públicas
O engenheiro civil, advogado e procurador-chefe da Procuradoria Consultiva da Procuradoria Geral Paraná, Hamilton Bonatto, é um dos maiores especialistas do Brasil sobre governança pública.
Segundo ele, a boa governança e a boa gestão, em conjunto, são vitais para evitar a epidemia de obras paradas.
Foto: Hamilton Bonatto/Arquivo pessoal
Entenda os 5 maiores problemas de governança em obras públicas
Bonato tem livros publicados sobre governança pública. Com toda essa experiência, ele consegue apontar os 5 maiores problemas de governança em obras públicas. Esses problemas são:
- Os órgãos públicos envolvidos nesses empreendimentos não têm clareza de suas funções, ou seja, não sabem por que existem.
- Falta de organização dos agentes públicos para distribuir de forma clara as responsabilidades dentro da entidade.
- Falta de informações para a tomada de decisões. Com isso, os responsáveis fazem muitas escolhas por instinto ou por experiências anteriores, o que nem sempre é compatível com o caso atual.
- Falta de instrumentos para minimizar riscos dentro dos órgãos.
- Sua prestação de contas tem objetivos legais, em relação aos órgãos de controle, mas tem pouco controle social de verdade.
De acordo com o procurador, a primeira coisa que uma boa governança precisa é de muita capacitação para os servidores públicos.
Ele destaca que os órgãos e entidades públicas têm ótimos quadros, engenheiros e arquitetos. Mas para a fiscalização de projetos e obras públicas “é necessária uma capacitação específica, que as faculdades de engenharia e arquitetura não ensinam”.
Ele também acrescenta é essencial ter clareza das responsabilidade de cada um no processo de contratação e um sistema eficiente de informações que ajude na tomada de decisão.
Por fim, uma gestão competente de riscos e a transparência em relação à população a ser atendida pela política pública da obra contratada.
Vale registrar que o trabalho da CBIC aponta também o chamado “apagão das canetas”. Isso acontece quando agentes públicos, por medo da rigorosa atuação dos órgãos de controle, demoram mais que o normal para liberar processos vitais das obras ou travam esses processos por completo.
BIM – Tecnologia para a governança
A tudo isso, Bonatto acrescenta que a administração pública deveria usar tecnologias mais eficientes do que as que são comuns nas construções hoje em dia. Além disso, ele diz que ainda não se vê construções a seco, como as em woodframe e em stilframe, entre outras construções industrializadas.
“Outra necessidade que vejo como fundamental é a adoção do Building Information Modeling (BIM) nas obras públicas. Do planejamento à pós-ocupação, especialmente pelo fato, conforme o TCU, de que 47% dos motivos para a paralisação das obras são técnicos”, afirma.
Entre outras vantagens, o BIM evita que os profissionais encontrem eventuais erros de projeto e construção apenas durante a execução da obra, pois prevê diferentes cenários de forma virtual antes de ir para o canteiro.
“Com isso diminuem os aditivos contratuais, ganha-se em agilidade, em transparência e tendem a diminuir os desvios de conduta.”
Ele cita como exemplos casos de sucesso do BIM nas obras públicas, como seu uso:
- no Paraná e em Santa Catarina;
- na Infraero;
- na Petrobras;
- no Exército;
- na Receita Federal;
- entre outras obras de pequeno e grande porte.
Governança das obras públicas e as construtoras
Bonatto destaca ainda que uma gestão eficiente das construtoras é muito importante para a boa governança em obras públicas. Por isso, ele recomenda algumas ações bem claras para as empresas do setor:
- as empresas também devem buscar as melhores tecnologias que existem no mercado da construção. Por exemplo, a partir de 2021, as obras públicas com recursos federais vão exigir o uso do BIM. E essa exigência só deve aumentar nos próximos anos;
- não importa qual a exigência legal, é importante se adequar a metodologia de planejamento, execução, operação e manutenção. Afinal, sem isso será difícil se manter no mercado;
- nem todos os problemas de obras públicas são por causa da própria administração pública, já que muitas obras ruins são fruto de má condução pelas construtoras. Portanto, é necessário que as empresas tenham um programa de compliance;
- também é muito importante ver se o órgão ou entidade pública dos contratos possui boa governança;
- tomar todos os cuidados necessários e saber se o órgão ou entidade licitante é bom pagador;
- ver se o órgão ou entidade desenvolve com qualidade seus projetos básicos das obras, o que inclui os orçamentos;
- avaliar com toda a atenção esses elementos técnicos instrutores e outros aspectos do instrumento convocatório. Então, questionar com algum item com o qual discorda e, se for preciso, impugnar o edital.
Obra paralisada tem que ser administrada
Como diz a publicação da CBIC, “obra paralisada tem que ser administrada”. Isso quer dizer que há gastos com manutenção, conservação e vigilância desses esqueletos. Aliás, vale a pena lembrar dos custos para retomar essas obras, que exigem grande esforço dos agentes públicos, profissionais técnicos e até do corpo jurídico.
“Isso tudo sem contar as intermináveis disputas judiciais e, evidentemente, a forte pressão dos órgãos de controle.” Além disso, não podemos esquecer dos problemas que já citamos aqui, como o enorme prejuízo social para a população. E a sociedade precisa muito, ás vezes com urgência, dessas obras finalizadas o quanto antes.
Afinal, elas incluem projetos de grande valor social, como:
- escolas;
- creches;
- postos de saúde;
- hospitais;
- e outros centros de ajuda para a população.
Também há muitos projetos de infraestrutura e saneamento, que têm impacto direto na qualidade de vida, em especial das pessoas mais pobres. Então, em vez de ignorar as obras paradas e dar o dinheiro como perdido, é preciso dar atenção a elas.
Outro problema de ignorar as obras paradas é que o poder público perde parte da capacidade de investir por causa delas. Se pensar bem, isso é dinheiro que vai para o ralo, já que se perdem verbas que poderiam ser reinvestidas em outras obras.
Assim, fica claro que a governança em obras públicas é uma tarefa urgente para o setor público. E indicamos aqui alguns pontos que você precisa aplicar para avançar nessa área. E não dá para negar que esses pontos vão deixar você mais alerta e preparado para trabalhar com obras públicas.
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