Pilar Social do ESG: conheça as soluções para a construção civil

Taiana Silveira

Escrito por Taiana Silveira

23 de novembro 2022| 17 min. de leitura

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Diversidade nos canteiros de obra é uma das preocupações do Pilar Social do ESG
Empresas preocupadas com a adoção de práticas alinhadas ao Pilar Social do ESG devem promover ações afirmativas em suas posições de liderança no ambiente de trabalho

 

O Pilar Social do ESG é uma das três dimensões de atuação das empresas que buscam crescer de forma contínua e sustentável, juntamente com as áreas ambiental e de governança. A sigla, criada há quase duas décadas a partir de uma provocação do então secretário-geral da Organização das Nações Unidas, Kofi Annan, aos CEOs de 50 grandes instituições financeiras globais.

O objetivo era fomentar uma visão que levasse em conta não apenas os aspectos financeiros dos negócios, mas os impactos das atividades em outras áreas importantes das comunidades globais e locais. Seus objetivos dialogam com um conceito desenvolvido pelo alemão Klaus Schwab, fundador e CEO do Fórum Econômico Mundial: o capitalismo de stakeholders – também conhecido como capitalismo das partes interessadas ou capitalismo de intervenientes.

O tema é discutido em detalhes em um livro publicado por Schwab em 2021: “Stakeholder Capitalism: A Global Economy that Works for Progress, People and Planet” (“Capitalismo das partes interessadas: Uma economia global em prol do progresso, das pessoas e do planeta”, ainda sem edição em português).

O que é o capitalismo de stakeholders?

Para entender o que ele significa, é preciso contrastá-lo com dois modelos vigentes de capitalismo no mundo contemporâneo. Vamos conhecê-los a seguir.

Capitalismo de Acionistas

O primeiro é o capitalismo de acionistas (shareholder capitalism, em inglês), que ganhou força a partir dos anos 1970, nos Estados Unidos. É orientado à criação de valor para as empresas e à maximização de lucro para seus donos. Liberais como Milton Friedman defendem que seu subproduto é a geração de bem-estar para a sociedade, com a criação de empregos e renda.

Capitalismo de Estado

O segundo é o capitalismo de Estado. Neste modelo, os governos se valem de seu poder de ditar as regras do jogo para influenciar os rumos da economia. Está presente em diversos mercados emergentes, sendo a China o maior representante contemporâneo. É um modelo de caráter intervencionista e desenvolvimentista, em que empresas estatais participam de forma ativa para regular mercados-chave tendo em vista o interesse da coletividade.

Capitalismo de Stakeholders

Klaus Schwab faz uma crítica ao modelo do capitalismo de acionistas, que em sua opinião falha ao maximizar lucros em prejuízo a diversos outros integrantes da cadeia de valor. É o caso, por exemplo, de empresas que compram de fornecedores que empregam mão de obra escrava. O autor também critica o modelo de Estado, que em sua opinião tem foco excessivo nos objetivos coletivos, se sobrepondo aos interesses individuais e ambientais. Portanto, no capitalismo das partes interessadas, as empresas devem assumir o protagonismo para atender às necessidades da coletividade que orbita em seu entorno. De acordo com a realidade de cada empresa, terão importância equivalente as demandas de acionistas, consumidores, fornecedores, empregados e comunidades locais.

Indicadores sociais em empresas ESG: foco na construção civil

Muitas empresas da construção civil já entendem quais os benefícios de se investir em ESG na construção civil. Mas como elas sabem se estão tendo sucesso em atender às necessidades de seus stakeholders?

O assunto é complexo, mesmo. Em resumo, empresas diferentes têm o desafio de propor e encontrar as respostas para as questões de suas próprias comunidades.

Por isso, a definição de indicadores ESG é muito importante. São eles que permitirão às empresas metrificar suas ações e definir metas de sucesso. Nesse contexto, o lucro – principal indicador financeiro – ganha a companhia de números objetivos ligados, por exemplo, à redução da pegada de carbono, erradicação do trabalho infantil na cadeia de suprimentos e equidade salarial entre gêneros.

Segundo a consultoria Ernst & Young, os indicadores sociais mais frequentes em relatórios ESG das 20 maiores empresas de engenharia e construção norte-americanas estão relacionados a:

  • Diversidade e inclusão;
  • Segurança e bem-estar dos funcionários;
  • Desenvolvimento das comunidades;
  • Treinamento e desenvolvimento de colaboradores em sustentabilidade;
  • Educação;
  • Direitos humanos;
  • Segurança alimentar;
  • Erradicação da escravidão moderna.

Diversidade no ambiente de trabalho: um desafio urgente

Historicamente, a engenharia se dividia em duas grandes áreas: a militar e a civil. Com o tempo, a engenharia civil passou a designar o ramo de atividades de planejamento e construção de todas as obras de edificações e infraestrutura necessárias para a população. Do universo militar, herdou as características de um ambiente profissional predominantemente masculino, que por décadas vem marcando os espaços de trabalho de construtoras, escritórios de projeto e canteiros de obras.

No Brasil, essa realidade vem se transformando a partir da liderança de pioneiras como a engenheira civil Enedina Alves Marquesprimeira mulher negra formada em engenharia no Brasil, em 1945, pela Universidade Federal do Paraná. Em sua carreira, atuou em importantes obras de infraestrutura do Departamento Estadual de Águas e Energia Elétrica do Paraná, como a construção da Usina Capivari-Cachoeira e no Plano Hidrelétrico do Paraná.

Atualmente, empresas comprometidas com as boas práticas do Pilar Social de ESG procuram ativamente promover a diversidade no ambiente de trabalho. Por meio de políticas de Diversidade e Inclusão (D&I) e ações afirmativas, têm o objetivo de transformar escritórios e canteiros masculinos em espaços com maior presença de mulheres, pessoas pretas, profissionais LGBTQIA+, pessoas com deficiência e profissionais sêniores.

Associadas às políticas de equidade salarial – outra boa prática do Pilar Social do ESG –, essas ações têm o potencial de efetivamente promover o bem-estar e a melhoria nas condições de vida e trabalho desses profissionais. E os ganhos das políticas de inclusão para a empresa são enormes. Quando implantada da maneira correta, a diversidade nos espaços de decisão se reflete em múltiplas vivências e pontos de vista – o que favorece a inovação, a retenção de talentos e o reconhecimento do mercado como marca empregadora.

Saúde mental no trabalho: vamos conversar sobre o assunto?

A pandemia de covid-19 produziu intensas transformações no mundo corporativo e nas prioridades do Pilar Social do ESG de uma empresa. E a promoção da saúde mental no trabalho certamente é uma delas. O assunto já fazia parte, há algum tempo, das discussões de nível gerencial de grandes companhias, sobretudo entre as lideranças das áreas de recursos humanos.

A promoção da saúde mental no trabalho contribui para melhorar importantes indicadores que afetam tanto trabalhadores, quanto empregadores. Os principais são o presenteísmo (ou a perda de produtividade, que é onde incorrem os maiores custos financeiros), o absenteísmo e a rotatividade de pessoal.

Presenteísmo

É uma condição em que o trabalhador está presente no ambiente – físico ou virtual – de trabalho, mas sem condições de saúde física ou mental para realizá-lo em sua plenitude. É um fenômeno difícil de mensurar, uma vez que as empresas não registram a falta do trabalhador. Mas certamente os efeitos são percebidos na produtividade do colaborador. Em muitos casos, o próprio trabalhador acaba se colocando em perigo – especialmente em funções de alto risco de saúde e segurança no trabalho.

Absenteísmo

É um dos indicadores de gestão mais consolidados nas empresas. Ainda hoje, no entanto, é visto por muitos gestores como uma ferramenta de caráter exclusivamente punitivista. No entanto, esse indicador também pode ajudar empresas na gestão da saúde mental de suas equipes. Do ponto de vista individual, permite identificar insatisfações na relação do trabalhador com colegas de equipe ou com os processos de trabalho. Sob a ótica do conjunto de trabalhadores, pode indicar problemas no clima organizacional e apontar a necessidade de melhorar a gestão das lideranças.

Rotatividade de pessoal

O pós-pandemia nas empresas veio acompanhado de dois fenômenos ligados à insatisfação dos trabalhadores com o bem-estar nos ambientes de trabalho. A Grande Demissão (Great Resignation, em inglês) e a Demissão silenciosa (Quiet-quitting, em inglês).

Segundo o Fórum Econômico Mundial, cerca de um em cada cinco trabalhadores no mundo pretende pedir demissão das empresas em 2022. A busca por salários mais altos é a razão apontada pela maioria. Porém, mais de dois terços dizem que buscam mais satisfação no local de trabalho.

Quem não pode se dar ao luxo de pedir demissão, mas permanece insatisfeito com as condições de trabalho atuais, passaram a se recusar a dar aquele “gás a mais” que as empresas cobram no dia a dia. O fenômeno não deve ser confundido com presenteísmo, pois o trabalho é feito, mas dentro das condições estritas para que o funcionário foi contratado.

A preocupação com o fenômeno é um dos motivos que tem levado muitas empresas engajadas com o Pilar Social do ESG a investir em melhorias no ambiente de trabalho e em programas de saúde mental. Com isso, esperam conseguir reter os talentos para as funções-chave de suas operações.

Como falar sobre saúde mental no trabalho?

As emoções – boas e ruins – são parte da vida e o objetivo de ações corretivas não deve ser no sentido de neutralizá-las. O foco está na eliminação dos ambientes e situações que provocam condições incapacitantes de trabalho. Nesse sentido, as empresas devem estar muito atentas à frequência dos casos de:

  • Depressão;
  • Ansiedade;
  • Síndrome de burnout.

O colaborador em estado de vulnerabilidade psicológica pode não se sentir encorajado a se expressar devido ao medo de perder do emprego. De qualquer forma, é importante que a empresa – na figura da área de Recursos Humanos ou de suas lideranças – proporcione ambientes seguros de escuta, sem riscos de retaliações.

Além disso, quando o assunto é saúde mental, é fundamental promover o diálogo sobre o assunto e tocar na ferida. Falar sem tabus sobre o sofrimento psíquico ajuda a quebrar preconceitos e a normalizar o problema. Como efeito colateral positivo, isso encoraja as pessoas a procurar ajuda quando notarem algo estranho.

 

Setembro amarelo: campanha de prevenção ao suicídio

Todo mês de setembro é uma oportunidade de aderir à campanha Setembro Amarelo, de prevenção ao suicídio. O site oficial da campanha, que é liderada pelo Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), contém materiais completos que podem ajudar as empresas engajadas com o Pilar Social do ESG a elaborar as próprias ações de conscientização.

 

Dia Mundial da Saúde Mental

A comemoração ocorre todos os anos no dia 10 de outubro. Tem como principais objetivos conscientizar o público sobre a importância da saúde mental; promover a saúde mental e prevenir transtornos mentais; e aprimorar o cuidados, os tratamentos e a recuperação de pessoas com transtornos mentais. A ideia por trás das campanhas é que, quanto mais se fala sobre saúde mental, mais a sociedade se familiariza com o assunto. E assim, consequentemente, as pessoas que sofrem com transtornos mentais se sentem mais encorajadas para procurar ajuda.

 

Outras iniciativas

Empresas que desejam colocar em prática iniciativas alinhadas ao Pilar Social do ESG para promover a saúde mental no ambiente corporativo também podem oferecer:

  • Workshops sobre gerenciamento de stress;
  • Planos de academias e psicoterapia;
  • Palestras e rodas de conversa sobre saúde mental;
  • Sessões de meditação e ginástica laboral;
  • Eventos de confraternização periódicos;
  • Sessões de trabalho voluntário.

Responsabilidade Social nos canteiros de obra

Os cuidados com os funcionários das construtoras não devem se restringir às equipes que trabalham em seus escritórios. Os trabalhadores dos canteiros de obras – ainda que funcionários de empreiteiras terceirizadas – também são beneficiários de ações sociais e políticas de formalização das empresas de construção. Entre as principais estão:

Treinamento e desenvolvimento

Os programas de alfabetização e inclusão digital da mão de obra são algumas ações já tradicionais das construtoras. Também são bastante difundidos, entre grandes empresas, os programas de qualificação profissional e de primeiro emprego, destinado tanto a jovens em situação de vulnerabilidade social, quanto a mulheres.

Contratação de trabalhadores formais

Infelizmente, a construção civil brasileira ainda tem muitas empresas que contratam seus funcionários em desacordo com as leis trabalhistas. Por isso, as construtoras comprometidas com os princípios do Pilar Social do ESG têm o dever de não apenas prezar pela formalização dos funcionários próprios, mas também de excluir fornecedores que contratam suas equipes de forma irregular. É uma forma de combate as práticas de informalidade no mercado de trabalho e, em casos mais graves, de erradicação das situações de trabalho análogo à escravidão contemporânea.

Saúde e segurança no trabalho

Felizmente, a indústria da construção brasileira tem um dos corpos regulatórios mais avançados do mundo sobre saúde e segurança no trabalho. O Poder público estabelece parâmetros rígidos para garantir a segurança dos profissionais da obra. Ainda assim, construtoras comprometidas com o bem-estar dos trabalhadores dos canteiros devem não apenas seguir o que manda a legislação, mas cuidar para a melhoria contínua de seus processos, visando à eliminação dos acidentes de trabalho que provocam afastamentos e mortes.

Conclusão

As empresas que buscam criar valor a longo prazo, não apenas para seus acionistas, mas também para outras partes interessadas (stakeholders) de seus negócios, precisam adotar boas práticas alinhadas ao Pilar Social do ESG. No caso específico da construção civil, isso passa pela adoção de ações de promoção da diversidade no ambiente de trabalho, a fim de torna-lo menos branco e menos masculino, e pelos cuidados com a saúde mental de seus funcionários. Nos canteiros de obras, o compromisso passa também por ações de treinamento e desenvolvimento, de formalização da mão de obra e por boas práticas de saúde e segurança no trabalho.