Recebo diariamente notícias e currículos de amigos que, involuntariamente, despertaram um dia na condição de desempregados. E que agora precisam enfrentar os desafios da recolocação na construção.
São profissionais do mais alto calibre com vasta experiência em obras, exímios técnicos, excelentes gestores e executivos. Gente que dedicou a vida, que entregou resultados e que fez história nas grandes construtoras. Gente que produziu conhecimento e que formou gente.
Independentemente de sua história de vida, gente que se sente relegada, desacreditada e rebaixada em sua auto-estima.
Gente incluída nas estatísticas!
Não é para menos! Dados da Pesquisa PNAD Contínua do IBGE de janeiro de 2018 mostram que o setor da construção perdeu 6,2% da população ocupada em 2017 na comparação com 2016 e 12,3% desde 2014. Reforçando a estatística, o SindusCon-SP informou que o número de pessoas empregadas na construção civil caiu 5% em 2017. OU seja, contabilizando 125 mil vagas a menos em relação a 2016, apenas no estado de São Paulo.
Por que chegamos aqui?
As crises política e econômica que se arrastam desde 2014, agravadas pelas operações de combate à corrupção que desmontaram o modelo de negócios ilegal até então vigente, justificam a situação de declínio da atividade econômica do setor da construção. O setor está diante dos novos desafios legais, regulatórios, tecnológicos, de gestão e de escassez de investimentos. E tenta agora se reinventar de maneira disruptiva.
Boa governança e inovação pautam as discussões estratégicas do setor de construção
Governança e inovação têm sido os alicerces da reformulação do setor da construção que já contabiliza transformações expressivas. Temos observado maior transparência e adequação legal (compliance) do negócio. Ao mesmo tempo, promove-se impactos na melhoria da gestão das obras. Estas associadas a resultados de redução de desperdícios, prazos e custos e com maior comprometimento social e ambiental.
Inovações tecnológicas e de gestão
Dentre tantas inovações tecnológicas e de gestão perceptíveis, destacam-se:
- Modelagem e a compatibilização dos projetos através do BIM;
- Fabricação de elementos estruturais fora do canteiro de obras (modularização);
- Estruturas mistas de aço e concreto e a impressão de estruturas em 3D;
- Uso de materiais inovadores tais como o bioconcreto, o concreto translúcido, o concreto que brilha no escuro, a tinta que absorve energia solar, tijolos inteligentes e ecológicos;
- Automação dos canteiros de obras com dispositivos móveis e sensores vestíveis inteligentes;
- Uso de aparatos inteligentes baseados na Internet das Coisas (IoT), na realidade aumentada e nos drones;
- Disseminação de aplicativos voltados à gestão de obras;
- Construção enxuta;
- Priorização dos processos;
- Controle do ritmo produtivo;
- Gestão sustentável da água e dos resíduos sólidos;
- Logística reversa.
O novo profissional da construção
Diante do novo que sustenta a transformação experimentada pelo setor da construção, configura-se o perfil necessário de um (igualmente) novo profissional.
Ou seja, com características como:
- Íntimo do uso e das potencialidades da tecnologia digital;
- Intuitivo;
- Pragmático;
- Colaborativo
- Flexível em suas ideias;
- Internacionalizado em sua networking;
- Sensível às causas ambientais e sociais;
- Aberto e disponível a aprender ininterruptamente.
O desafio da recolocação na construção
Não se faz mais obra misturando areia, cimento e aço. Aqui reside o grande desafio do profissional maduro que busca recolocação na construção. Ele está diante das inovações tecnológicas e de gestão adotadas pelas empresas e pelo setor.
Independentemente do peso de seu currículo, para buscar recolocação na construção ele não pode se pautar exclusivamente em sua experiência pregressa. Nem, tampouco, na networking que lhe restou para garantir o retorno ao emprego. Ele deve estar aberto a se reinventar, tanto quanto tem estado as construtoras e o mercado.
Ele deve estar disposto a aprender e reaprender tudo o que desconhece e que um dia pensou dominar. Obrigatoriamente, terá que mergulhar no mundo da tecnologia e da informática. Lidar com sistemas e aplicativos de gestão e de automação, aprender a navegar pelo mundo virtual.
Para conseguir recolocação na construção terá que reposicionar a sua networking, aproximando-se de novas lideranças presenciais e remotas. Precisará reconstruir as suas referências profissionais e agregar valor à nova teia e sinapses do conhecimentos. Afinal, conteúdo e experiência não lhes faltam.
Entretanto, isso vai exigir que assuma um novo perfil de comportamento. Para conseguir recolocação na construção precisa ser mais curioso, aberto e humilde. Terá que interagir com os mais jovens e com o mundo virtual, perguntar o que desconhece. Terá que pedir e aceitar feedbacks, abster de suas certezas, ousar fazer diferente e aceitar o que se impõe como o novo. Terá que trabalhar de modo colaborativo e transmitir confiança e otimismo.
Terá que aceitar não dispor da autoridade do cargo, reportar-se a gente bem mais jovem. Não ser chamado para opinar e, invariavelmente, terá que aceitar um salário menor do que o que estava acostumado a receber.
Enfim… não será fácil!
Novas perspectivas
Mas, por outro lado, não é de todo impossível. A vantagem é prolongar a sua longevidade no mercado. Mais que isso, alimentar-se da energia vital do contato com os mais jovens e de tudo o que é novo e que representa o futuro. Isso vai fortalecer a autoestima e iluminar com novas cores a sua vida.
As alternativas profissionais, para quem não desejar se adaptar ao novo modelo, são empreender ou mudar de ramo. Mas creia, isso também não é fácil e também vai exigir uma adaptação profissional.
Diante da situação pergunto aos amigos maduros que me mandam currículo: o que você está esperando para religar a sua juventude e acender o interruptor de seu futuro profissional?
Alonso Mazini Soler, Doutor em Engenharia de Produção POLI/USP, Professor da Pós Graduação do Insper e do LIT Saint Paul. Sócio da Schédio Engenharia Consultiva – alonso.soler@schedio.com.br