• A Reforma Tributária trouxe um regime específico de tributação para bens imóveis
  • O regime inclui redução de alíquota, redutores de base de cálculo e apuração em regime de caixa
  • Empresas precisam se adaptar a essa nova lógica de tributação para manter a competitividade e garantir margens sustentáveis

A Reforma Tributária trouxe mudanças profundas na forma como os tributos são apurados no Brasil, especialmente para setores com dinâmicas próprias como o da Construção Civil e o mercado imobiliário. Entre as novidades, está o regime específico das operações com bens imóveis, uma adaptação necessária para encaixar um setor complexo dentro do novo modelo de tributação sobre consumo. 

Neste artigo, vamos explicar como esse regime foi estruturado, por que ele surgiu e de que forma afeta diretamente a incorporação imobiliária, o loteamento, a construção e a locação de imóveis. Você vai entender os principais redutores previstos, como se preparar para apurar corretamente os tributos, quais impactos são esperados na gestão e operação das empresas, e muito mais.  

Boa leitura! 

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O que é e por que surgiu o regime para bens imóveis? 

O setor da Construção Civil e do mercado imobiliário passou a contar com um regime específico de tributação com a aprovação da Lei Complementar nº 214, dentro da Reforma Tributária. Esse regime foi concebido como uma resposta à dificuldade de aplicar um modelo tributário padrão a um setor com dinâmicas econômicas e operacionais bastante particulares.  

Mas por que o setor exige regras próprias? 

Diferente de outros segmentos de consumo, os empreendimentos imobiliários são produtos de maturação longa, com diversas etapas como aquisição de terreno, desenvolvimento de projeto, aprovação, construção e comercialização. Além disso, não há uma padronização de produção como ocorre na indústria — cada obra é única em termos de tempo, investimento e gestão. 

Tentar enquadrar essa cadeia dentro de um sistema de Imposto sobre Valor Agregado (IVA) genérico seria como tentar encaixar uma estrela em um cubo, como mencionaram os especialistas no vídeo. Por isso, foi necessária a criação de um regime específico das operações com bens imóveis, que pudesse lidar com essas características sem gerar distorções ou desequilíbrios fiscais. 

Três pilares do regime específico 

O funcionamento do regime se apoia em três aspectos centrais: 

1) Redução de alíquota 

Para reduzir o impacto tributário direto sobre as operações com bens imóveis, a legislação prevê uma redução de 50% na alíquota do IBS e CBS para incorporação, construção e loteamento. No caso da locação residencial, a redução é ainda maior, chegando a 70%. 

2) Redutores de base de cálculo 

O regime também introduz dois redutores distintos que afetam diretamente a base de cálculo do tributo: 

  • Redutor social: aplicado na venda de imóveis residenciais, permite uma dedução fixa de R$ 100.000 por unidade. No caso de loteamentos residenciais, o redutor é de R$ 30.000 por lote. Isso favorece projetos voltados à habitação popular, aumentando o impacto do redutor conforme o valor do imóvel diminui. 
  • Redutor de ajuste: considera os principais custos associados ao empreendimento, como o valor do terreno, ITBI, outorga onerosa e contrapartidas exigidas pelo poder público. A soma desses itens forma uma base de dedução proporcional que será aplicada à medida que os imóveis forem vendidos. 

3) Momento do pagamento 

Uma outra característica importante do regime é que ele determina que o tributo seja apurado com base no regime de caixa, ou seja, no momento em que os valores são efetivamente recebidos e não no momento da venda. Isso é essencial para negócios com fluxos de recebimento dilatados, como ocorre em muitos loteamentos e contratos de financiamento direto.

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Como se preparar e fazer o cálculo corretamente? 

Com a implantação do regime específico das operações com bens imóveis, o processo de apuração tributária tornou-se mais sofisticado e exige um olhar atento sobre a formação de créditos e sua compensação ao longo do ciclo de um empreendimento. 

Antes, o setor trabalhava com uma sistemática mais direta, geralmente com alíquotas fixas sobre o faturamento. Agora, sob o modelo não cumulativo, o cálculo depende da subtração entre débito e crédito tributário, levando em consideração não apenas o valor da venda, mas também todos os insumos utilizados que geram direito a crédito. 

Essa transição exige maior controle contábil e integração entre setores dentro das empresas, além de planejamento tributário mais robusto.  

Por exemplo, o valor que restar após a aplicação dos redutores (social e de ajuste) será a base para o cálculo do imposto, e sobre essa base incidirá a alíquota reduzida (50% ou 70%, conforme o caso). Ainda assim, é preciso considerar os créditos gerados ao longo da execução do empreendimento, que podem reduzir consideravelmente o valor a pagar. 

Estratégias para otimização do crédito 

Uma das alternativas discutidas para aproveitar melhor os créditos é a combinação entre empreendimentos de maior e menor valor agregado. Isso pode permitir o transporte de créditos excedentes de um projeto para outro, tornando mais eficiente a gestão tributária dentro de um mesmo grupo empresarial.  

No entanto, esse tipo de operação ainda depende de regulamentação mais clara sobre como o saldo de créditos poderá ser aproveitado ou compensado entre diferentes empreendimentos. 

Além disso, o tipo de insumo adquirido e a forma como ele é comprado impactam diretamente no volume de créditos disponíveis. Empresas que profissionalizarem sua cadeia de suprimentos e formalizarem suas contratações terão mais oportunidades de gerar créditos aproveitáveis. 

Outro fator importante é a mão de obra, que tradicionalmente não gera crédito, pois boa parte dela é contratada como pessoa física. Para ampliar a eficiência tributária, o setor tende a avançar em modelos de terceirização, com prestadores formalizados e qualificados que emitem nota fiscal, permitindo o aproveitamento do crédito correspondente. Isso, por sua vez, exige uma reestruturação da gestão de contratos e da própria operação dos canteiros de obras. 

Impactos do regime específico de bens imóveis 

A adoção do regime específico das operações com bens imóveis exige uma transformação estrutural e cultural nas empresas do setor. A migração de um modelo cumulativo simples para um sistema não cumulativo, com redutores e apuração por créditos, representa uma quebra de paradigma que impacta diretamente a forma de operar, planejar e investir. 

A nova sistemática cria um incentivo natural à industrialização e à profissionalização da cadeia produtiva. Como a tributação passa a incidir apenas no consumo final, as empresas não são mais penalizadas por investir em soluções produtivas mais eficientes, como a pré-fabricação de componentes, o uso de tecnologia e a contratação de mão de obra especializada formalizada. 

Dessa forma, abre-se espaço para ganhos de produtividade, mas também exige preparo: o setor precisa se adaptar a uma realidade mais próxima da indústria, com processos mais controlados, rastreáveis e técnicos. 

Ao mesmo tempo, o desafio da escassez de mão de obra jovem se intensifica. A Construção Civil compete hoje com outras formas de trabalho mais atrativas para os jovens, como aplicativos e economia digital. Nesse cenário, a terceirização técnica aparece como alternativa viável, capaz de aumentar a eficiência e gerar créditos tributários, desde que seja feita com critério, qualidade e foco em especialização. 

A locação como tendência e estratégia 

Com a Reforma Tributária, a locação residencial passou a contar com uma redução de alíquota de 70%, maior do que a aplicada à incorporação ou construção (50%). Esse estímulo se alinha a uma mudança já em curso nos grandes centros urbanos, onde o modelo de morar de aluguel ganha cada vez mais espaço como solução de moradia. 

Além disso, a locação continua sendo uma forma de investimento e previdência pessoal, sobretudo para quem construiu patrimônio ao longo da vida e depende da renda dos aluguéis. 

Esse novo arranjo tributário também estimula modelos de negócio híbridos, em que uma mesma empresa atua tanto na incorporação quanto na locação. A possibilidade de compensar créditos entre essas atividades pode melhorar a eficiência fiscal e incentivar a diversificação dentro dos CNPJs do setor. 

Adaptar-se ao novo cenário 

Com a complexidade da apuração e a presença de diferentes redutores, entender profundamente esse novo sistema se torna essencial para garantir segurança jurídica, eficiência fiscal e viabilidade financeira dos empreendimentos. Empresas que investirem em planejamento tributário e capacitação de suas equipes estarão mais preparadas para explorar as oportunidades geradas por esse novo modelo. 

Relatório Reforma Tributária

Quais são os desafios da regulamentação e apuração? 

Apesar do avanço representado pela criação do regime específico das operações com bens imóveis, diversos pontos operacionais ainda dependem de regulamentação para garantir clareza e segurança na apuração dos tributos. 

Um dos principais desafios está na definição dos critérios para aproveitamento e transporte de créditos. Empresas que atuam com diferentes tipos de empreendimento ou possuem múltiplas SPEs ainda não sabem se poderão transferir créditos acumulados entre projetos distintos. Essa indefinição impacta o planejamento tributário, especialmente quando se pensa em modelos híbridos que envolvem incorporação, locação e venda. 

Além disso, há dúvidas técnicas sobre como será feita a apropriação proporcional do redutor de ajuste, formado pelo valor do terreno, ITBI, outorga e contrapartidas. Ainda não está claro se essa apropriação será calculada com base no valor de venda, número de unidades ou fração ideal.  

Outro ponto relevante é o tratamento dos distratos, especialmente em loteamentos com recebimento de longo prazo. Casos em que o contribuinte já recolheu parte do tributo, mas precisa estornar valores devido a rescisões contratuais, exigem regramento específico para evitar bitributação ou prejuízos fiscais. 

Também surgem questionamentos sobre a continuidade das SPEs (Sociedades de Propósito Específico) no novo cenário. Caso o crédito não possa ser transferido entre elas, esse modelo societário pode perder atratividade, levando as empresas a repensarem sua estrutura jurídica. 

Enquanto essas e outras respostas não são oficializadas por meio de regulamentações complementares, o melhor caminho é o planejamento antecipado e a análise de cenários. Entender os fundamentos do regime já permite traçar estratégias preliminares, mas é importante acompanhar de perto as definições normativas que virão. 

Conclusão 

A criação do regime específico das operações com bens imóveis é um marco importante dentro da Reforma Tributária, reconhecendo as particularidades do setor da Construção Civil e do mercado imobiliário. Com ele, atividades como incorporação, loteamento, construção e locação passam a ter regras próprias que buscam trazer mais equilíbrio fiscal, sem comprometer a viabilidade dos empreendimentos. 

A estrutura do regime, baseada em redução de alíquota, redutores de base de cálculo e apuração em regime de caixa, exige atenção redobrada das empresas, que precisarão se adaptar a uma nova lógica de tributação. O uso estratégico de créditos fiscais, a profissionalização da cadeia de suprimentos e a análise detalhada de custos passam a ser fundamentais para manter a competitividade e garantir margens sustentáveis. 

O setor terá de lidar com novos desafios, como a gestão eficiente de créditos, a escassez de mão de obra qualificada e a necessidade de reorganizar modelos de negócio, no entanto, os resultados ainda poderão ser positivos. 

Há pontos pendentes de regulamentação que devem ser acompanhados de perto, mas uma coisa é certa: quem se preparar desde já, entendendo as regras e suas aplicações práticas, estará em posição mais vantajosa para enfrentar as mudanças e aproveitar as oportunidades que o novo cenário tributário irá oferecer. 


Produzido por Fernando Guedes

Fernando Guedes

Presidente Executivo na CBIC – Câmara Brasileira da Indústria da Construção e sócio do escritório Guedes Ferreira Advogados.