A reforma trabalhista do governo, em vigor desde novembro passado, criou uma nova categoria de serviço que não estava contemplada na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho): o trabalho intermitente.
A partir de então, as empresas podem contratar funcionários para trabalhar esporadicamente e pagá-los apenas pelo período da prestação de seus serviços.
A quem interessa o Trabalho Intermitente?
Pelo novo regime, o trabalhador poderá ser contratado e ficar à disposição da empresa até ser convocado para o trabalho, quando, aí sim, prestará o serviço solicitado e receberá sua remuneração pelo tempo (horas) efetivamente trabalhado, acrescido de direitos trabalhistas proporcionais.
Conceitualmente, esse novo modelo de trabalho tende a ser útil para o tipo de indústria que enfrenta picos sazonais de demanda e de mão de obra durante o ano, para o comércio durante os finais de semana e datas festivas, ou para as empresas de serviços que sejam demandadas esporadicamente por seus clientes.
Contratações intermitentes, autônomos e pejotas
A diferença entre o novo contrato de trabalho e a contratação de um profissional autônomo ou uma pessoa jurídica (pejota) reside no vínculo de subordinação.
O trabalhador intermitente receberá ordens e terá o seu trabalho supervisionado pelo empregador, tal como um trabalhador em tempo integral, enquanto o profissional autônomo ou o pejota agem com independência e se responsabilizam pelas entregas combinadas.
Por outro lado, a similaridade no trabalho entre eles reside na necessidade do empregador de dispor de um profissional que se ocupe exclusivamente de um trabalho ou de uma entrega específica, requerida num intervalo de tempo determinado – ou seja, o trabalho por projetos.
As criticas à nova modalidade de contratação afirmam tratar-se de uma tentativa de legalizar em larga escala o “bico” e a consequente redução de direitos trabalhistas conquistados.
Sem nos ater às interpretações sobre o sentido dos avanços ou retrocessos da nova lei, o fato é que as contratações intermitentes, os autônomos e pejotas permitem ao empregador associar, diretamente, os gastos com mão de obra às receitas. Ou seja, paga-se por aquilo que se vende e isso, supostamente, reduz custos, previne riscos e facilita a geração de trabalho e renda.
Trabalhar por projetos é, pois, condição inevitável e posta à mesa
Cabe então a discussão sobre como o trabalhador deveria se posicionar diante dessa nova configuração nas relações de trabalho, diante do fato de que ele passará a ter que lidar com clientes, e não mais com empregadores.
Deverá saber precificar e vender seu tempo e suas competências. Necessitará se organizar para tratar com diversos contratos concomitantes para que a somatória de seu “tempo vendido” seja compatível com a sua renda pretendida.
Que não mais será um empregado, e sim patrão de si mesmo, empresário pessoal de suas habilidades e competências.
Cabeça de patrão
Cabeça de patrão exige um novo modelo mental, independente, proativo e empreendedor, além de novas competências pessoais e profissionais. Pressupõe arriscar-se no mercado e a tentar matar “o leão do dia”, todos os dias, sem poder depender exclusivamente do empregador.
Para tanto, a especialização e a diferenciação são os fundamentos da nova postura profissional. Saber “empacotar” de modo mercadológico as capacidades, experiências e as potencialidades de sua vida profissional pregressa num catálogo de serviços pessoal e no contexto de uma atitude empreendedora.
Aprender a planejar suas finanças e seu tempo, aprender a se vender, se disciplinar para entregar o prometido com nível adequado de qualidade. Perseverar e superar as dificuldades, reconhecendo que o contexto trabalhista do pleno emprego provavelmente nunca mais retornará, ainda que isso não signifique capitular e deixar de lutar.
Lamentar-se ou continuar caminhando?
Sob o ponto de vista do trabalhador, não será fácil mudar o seu posicionamento nas relações de trabalho, considerando que essa transição para o mundo dos projetos não lhe foi apresentada como uma opção.
A eles cabe se lançar na marcha da adaptação com desprendimento, abertura para uma nova vida, estudo e desenvolvimento contínuos.
Já para aqueles que há tempos se aventuraram no mundo dos projetos e deles aprenderam a tirar o seu sustento, essa nova realidade soa como um alento e com a certeza de que já pavimentaram parte do futuro que se vislumbra.
Estamos todos preparados?
Alonso Mazini Soler, Doutor em Engenharia de Produção POLI/USP e Professor da Pós Graduação do Insper – alonso.soler@schedio.com.br