A ONG Transparência Internacional (TI) acaba de publicar o estudo “Transparência em Relatórios Corporativos – As 100 Maiores Empresas e os 10 Maiores Bancos Brasileiros” sobre prevenção à corrupção.
O estudo, inédito no contexto exclusivamente nacional, se propõe a avaliar a situação das maiores corporações brasileiras em seus padrões de transparência e de prevenção à corrupção.
Sobre o estudo da Transparência Internacional
O relatório esclarece como as 100 maiores empresas brasileiras e os dez maiores bancos (segundo o ranking Valor1000, do jornal “Valor Econômico”) divulgam informações sobre:
- Suas práticas anticorrupção (PAC);
- Sua estrutura organizacional e ramificações societárias (TO);
- Seus dados financeiros relativos à atuação em outros países (RPP).
- Estes três aspectos fundamentais da avaliação da transparência corporativa e indicativos basilares da boa governança corporativa e da mitigação do risco de corrupção.
As empresas receberam notas de acordo por suas ações de prevenção à corrupção com a extensão e a qualidade da divulgação desses itens e foram ranqueadas por dois índices:
- O Índice Geral considerou apenas as duas primeiras dimensões (PAC e TO) e foi aplicado às empresas que não têm operações no exterior;
- O Índice de Multinacionais Brasileiras, levou em conta os três critérios conjuntamente.
Destaques dos resultados
Como resultados gerais, o relatório aponta o desempenho ruim das empresas pesquisadas no que diz respeito às ações de prevenção à corrupção.
O grupo que não têm operações no exterior teve o Índice Geral calculado em 5,7 em uma escala de 0 a 10: PAC (65%) e TO (48%).
Já o grupo de multinacionais teve resultado ainda pior. O Índice de Multinacionais Brasileiras foi calculado em 4,5: PAC (74%), TO (58%) e RPP (3%).
Observando atentamente os resultados gerais, pode-se verificar que a diferença entre os dois grupos de empresas (operações restritas ao Brasil e multinacionais) e o baixo desempenho dos índices de transparência das multinacionais estão diretamente relacionados à falta de divulgação de informações básicas sobre sua atuação fora do Brasil.
Isso dificulta o monitoramento da sociedade acerca do entendimento da estratégia de investimentos e atuação das empresas nacionais em países com propensão a práticas antiéticas.
O relatório completo do estudo sobre prevenção à corrupção apresenta os resultados individualizados de cada empresa pesquisada. O estudo permite a análise nominal da transparência de cada empresa, assim como da aglutinação por setor econômico.
Setores em destaque na prevenção à corrupção
Neste quesito deve-se ressaltar os resultados positivos apresentados por duas empresa:
- Neoenergia, concessionária de energia elétrica, e;
- Votorantim Cimentos, do segmento de materiais de construção.
Estas obtiveram a pontuação máxima (100%) nas duas primeiras dimensões analisadas (práticas anticorrupção – PAC e estrutura organizacional – TO). Além disso, encabeçaram o Índice Geral.
Outro destaque positivo vai para os resultados do setor de energia. Este abriga quatro dentre as dez empresas mais bem colocadas no Índice Geral.
O setor de construção de infraestrutura está representado na pesquisa pelas empresas:
- Índice de Multinacionais = 5: PAC (100%), TO (50%) e RPP (0%),
- Construtora Queiroz Galvão. Índice de Multinacionais = 4,5: PAC (85%), TO (50%) e RPP (0%) e
- Construtora Andrade Gutierrez Índice de Multinacionais = 3,8: PAC (88%), TO (25%) e RPP (0%)
Percebam a nota zero dessas empresas multinacionais no quesito RPP que trata da divulgação de dados financeiros relativos à atuação em outros países. Isto derruba o Índice consolidado, apesar dos resultados acima da média nos quesitos PAC (divulgação de práticas anticorrupção) e TO (divulgação de estrutura organizacional e ramificações societárias).
A transparência das empresas da Lava Jato
O relatório chama a atenção para os resultados acima da média obtidos por empresas emblemáticas investigadas e condenadas por escândalos de corrupção recentes. Entre as quais destacam-se a Odebrecht (Índice Geral = 7,5), a JBS (Índice Geral = 8,1) e a Petrobras (Índice Geral = 8,4).
De relance esses resultados podem parecer incoerentes. A explicação passa pelo esforço recente e intensivo dessas empresas de promover mudanças internas. Mudanças essas capazes de abonar a retomada de sua credibilidade no mercado e de suas operações.
Muitas dessas iniciativas resultaram das contrapartidas de compliance e transparência contempladas nos acordos de leniência pactuados com autoridades públicas. Os esforços lhes garantiram o retorno à participação nas licitações públicas e financiamentos através de bancos públicos de fomento.
Cabe ainda mencionar avanços institucionais significativos que interferiram no modo de gestão dessas empresas. Tais como a Lei Anticorrupção nº 12.846/2013, que prevê a responsabilização objetiva de empresas que praticam atos lesivos contra a administração pública nacional ou estrangeira.
Outro exemplo é o impacto categórico das operações Lava Jato e Zelotes, entre outras e suas ramificações. Estas operações levaram à prisão grandes empresários e políticos notórios envolvidos em casos de corrupção. Fato que até então parecia utópico num país onde as práticas de corrupção era reconhecidas como endêmicas.
Mas a transparência e o compliance que vêm pautando as mudanças no modo de gestão dessas empresas e sustentando sua governança, e que estão espelhadas nos resultados da pesquisa, não decorrem apenas de fatores compulsórios legais.
A participação das empresas na prevenção à corrupção tende a ser considerada ainda uma obrigação corporativa ética. Respaldada por países e mercados em âmbito global e defendida por instituições multilaterais, organizações e a sociedade civil.
A nova ordem global tende a não mais admitir comprar ou fazer negócios com empresa envolvidas em escândalos econômicos, ambientais ou sociais. Para sobreviver, a empresa deve se adaptar. E as empresas sabem disso e estão tentando se reestruturar nesse contexto.
O legado dos escândalos
Apesar do retrocesso econômico e social vivenciado no Brasil e da consequente dor imposta aos milhões de desempregados, os escândalos de corrupção no país estão deixando legados que podem ser vistos de modo positivo.
O fortalecimento das instituições, a mensagem explícita da lei acima do poder e dos poderosos e o amadurecimento do modo gestão das empresas, baseado na governança corporativa e em seus pilares de sustentação.
Legados que permitem projetar cenários otimistas para o futuro. Ou seja, sem os constantes percalços de novas crises provocadas pela gestão e relacionamento antiéticos de empresas públicas e privadas.
#NãoPodeFicarNoPapel
O relatório da Transparência Internacional menciona suas limitações. Não se trata da disposição ética (ou não) das empresas pesquisadas. Trata-se apenas da publicação transparente de informações relevantes acerca dos programas anticorrupção. Isto, por sí só, já é um passo fundamental. Pois permite o monitoramento atento da sociedade acerca do comportamento ético das empresas.
Mas não basta publicar as informações de modo transparente. O relatório conclui enumerando iniciativas de encaminhamento para que as empresas evoluam rapidamente em sua disposição anticorrupção.
Vale a pena conferir. Não pode ficar apenas no papel!
Alonso Mazini Soler, Doutor em Engenharia de Produção POLI/USP e Professor da Pós Graduação do Insper – alonso.soler@schedio.com.br