O distrato é um pesadelo para incorporadoras, construtoras e imobiliárias. O rompimento de contratos de compra de imóveis na planta pelos clientes tem graves consequências para as empresas.
Especialmente no auge da crise, a partir de 2015, o número de rescisões de contratos abalou as estruturas do setor.
Naquele ano, conforme a agência de risco Fitch Ratings, de cada 100 apartamentos comprados na planta, 41 foram devolvidos!
Em valores, isso significou cerca de R$ 5 bilhões em unidades vendidas e devolvidas às empresas.
Mas você vai ver que nem sempre foi assim.
Distratos giravam em torno de 10%
Antes dessa avalanche, os distratos giravam em torno de 10%, que é um índice considerado relativamente suportável pelos empresários.
Antes, quando os imóveis estavam se valorizando, quem desistia da compra não devolvia, revendia e ainda tinha um lucro em cima. Por exemplo, se já tinha pago R$ 100 mil, conseguia revender por R$ 130 mil e ficava com a diferença.
Agora, isso já não é mais possível. Quem compra não tem a garantia de poder vender pelo mesmo valor que já pagou, quase certamente ficará no prejuízo.
Prefere, então, devolver o imóvel para receber o dinheiro do distrato, que gira entre 80% e 90% do total das parcelas pagas.
Mas há uma boa notícia.
Distratos caíram em 2017
A Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) e a Fundação Instituto de Estudos Econômicos (Fipe) apontaram uma queda no número de distratos, ano passado (gráfico).
Em 2016, a média mensal foi de 3.685 contratos rompidos. Em 2017, essa média caiu para 2.882 unidades distratadas. Mesmo assim, esse elemento continua sendo um desestabilizador dos negócios de imóveis.
O distrato é um assunto tão sério para o setor que a associação lançou um vídeo a respeito, no link.
Por que isso acontece?
Muitas vezes, porque o comprador não consegue pagar o imóvel na planta e desiste da compra. É claro que isso se agrava com a crise econômica e o desemprego, cenários que o País ainda continua vivendo.
Ou seja, mesmo passado o pior momento, continua sendo um grande problema, que gera muita polêmica no campo jurídico. Junto, existe a expectativa da aprovação de uma nova lei para regular o tema.
Vou falar com mais detalhes para você sobre esse problema.
Risco para o setor e a economia do País
A “massificação ou banalização dos distratos” coloca o setor da Construção Civil e a própria economia do País em risco, afirma advogada Rosangela Gazdovich, especialista em direito imobiliário do escritório Bicalho e Molica Advogados, em São Paulo.
Segundo ela:
- Há uma excessiva proteção ao consumidor em relação aos contratos de compra de imóveis.
- Isso resulta em um número excessivo de distratos, que afetam o fluxo de caixa das obras.
- Eles também comprometem os prazos de entrega e podem resultar na paralisação das obras por falta de recursos.
- São prejudicados ainda os clientes adquirentes adimplentes, ou seja, aqueles que pagam em dia e correm o risco de não receber o seu imóvel.
Estudo da FGV analisa efeitos do distrato
A Abrainc apresentou um estudo sobre os efeitos do distrato sobre as incorporadoras, elaborado pela Fundação Getúlio Vargas.
Se um empreendimento imobiliário obteve em vendas R$ 1 milhão, durante o lançamento e o período pré- chaves, mas a taxa de distrato atingiu 30%, a receita com as vendas cai para R$ 700 mil.
Porém, além da redução de receitas e das despesas com a devolução das parcelas que já tinham sido pagas, há outras perdas significativas para as incorporadoras, diz o estudo.
De um lado, os chamados custos irrecuperáveis associados à revenda da unidade devolvida, ou seja, gastos com marketing, montagem de estandes e prêmios de venda. De outro, os custos para obter capital, junto ao sistema financeiro, para compensar o descasamento entre receitas e despesas provocado pelos distratos.
Você vai ver que não termina aí o problema. Antes de continuar, talvez seja do seu interesse nosso ebook sobre controle de vendas para incorporadoras, no link.
Incorporadora tem os mesmos custos uma 2ª vez
Com o distrato e a devolução da unidade, a incorporadora irá incorrer em quase todos os custos uma segunda vez, pois terá que anunciar as unidades para vendê-las novamente.
Ou seja, uma vez que a unidade é devolvida, um novo esforço de marketing deve ser feito para a divulgação das unidades retornadas.
Novos corretores devem ser contratados e novos impostos precisam ser pagos no momento da venda. Vale reforçar: muitas empresas não aguentam esse impacto!
Olhe que interessante esse detalhe.
Comprador mais propenso ao distrato é o investidor
O mesmo estudo da Abrainc/FGV aponta dois tipos de condutas predominantes entre os compradores de imóveis: os investidores e os patrimonialistas.
Os investidores veem no mercado imobiliário um paralelo com o mercado financeiro, ou seja, esperam a valorização do imóvel para depois vendê-lo com ganhos.
Já os patrimonialistas compram o imóvel para sua moradia ou para alugá-lo a terceiros.
Entre os dois, é o investidor o mais propenso a fazer o distrato, aponta o documento. Isso acontece quando ele vê frustrada a expectativa de valorização do imóvel ou se depara com a possibilidade de ganhos mais rentáveis em outras áreas.
O estudo conclui:
“O desafio é garantir que as normas relativas ao distrato, incluindo a jurisprudência, coíbam a conduta investidora, favorecendo o principal objeto da legislação e das políticas habitacionais, ou seja, os compradores com intenção de moradia”.
Então, o que precisa ser feito nesse cenário?
Rosangela Gazdovich defende que o enfrentamento dessa situação deve vir de uma conscientização coletiva e conjunta. Precisa envolver o Judiciário e o Governo, além do setor econômico:
- As empresas devem ter muita clareza e informação presentes na redação dos seus contratos.
- O Poder Judiciário deve distinguir as hipóteses de rescisão, fixando percentuais condizentes com as distintas razões dos distratos.
- É preciso diferenciar adquirentes inadimplentes, desistentes ou arrependidos e cada um receber tratamento distinto.
- Essa diferenciação deve possibilitar não apenas a retenção de despesas administrativas, como o ressarcimento das perdas e danos das empresas.
- O governo, por sua vez, deve criar políticas de incentivo à aquisição de imóveis, especialmente em momentos como o atual, em que o aquecimento do mercado imobiliário impulsionaria a economia do país.
A propósito da recomendação dessa especialista, aqui você tem ótimo material sobre gestão segura de contratos para sua empresa.
E olhe a novidade que vem aí.
Governo tem projeto para mudar legislação
Pela importância do setor, o governo federal considera uma prioridade acabar com a insegurança jurídica existente. O senador Romero Jucá (MDB), da base do governo, apresentou um projeto de lei que regulamenta o distrato.
Vou explicar a você como é hoje.
Não há lei no Brasil prevendo o direito de distrato. Isso torna nosso País um dos mais juridicamente inseguros nesta área. Nos Estados Unidos, França ou Argentina, por exemplo, as normas do distrato são bem mais rígidas.
Porém, com base no Código de Defesa do Consumidor, aqui os compradores desistentes têm recebido parte das parcelas pagas. As empresas se defendem com a Lei da Incorporação, onde diz que o contrato de compra e venda de um imóvel é irrevogável.
A Justiça tem sido mais favorável aos consumidores e muitos conseguem receber de 80% a 90% do que foi pago à incorporadora.
Pela proposta do governo, se o comprador cancelar o contrato terá de pagar multa de até 25% sobre os valores já pagos ao incorporador. Tanto faz se a desistência for por falta de condições de continuar pagando ou por mera desistência do negócio.
Além disso, o vendedor poderá reter 5% dos valores pagos como indenização pelas despesas com comissão e corretagem. Do que sobrar, após esses descontos, cerca de 75% devem ser devolvidos ao consumidor.
Tribunais estão mudando entendimento
Ao mesmo tempo, está acontecendo uma mudança de entendimento nos tribunais, pelo menos em São Paulo.
Conforme reportagem do jornal Valor Econômico, há juízes aplicando o Código Civil, que determina o cumprimento dos contratos, quando a compra é feita para investimento. Nestes casos, os percentuais de devolução estão sendo mais baixos, em média 70% do que havia sido pago pelo cliente.
Também é permitida a devolução parcelada dos valores, a aplicação de juros somente após a sentença final e a correção monetária após o ajuizamento da ação.
Para os consumidores comuns, que compram o imóvel para uso próprio, tem sido diferente, como muitos defendem: pagamento à vista da devolução, aplicação de juros já à partir da citação da ação e correção monetária a partir do desembolso do cliente.
Conhecendo muito bem a matéria, a advogada Rosangela Gazdovich acredita que a jurisprudência dos Tribunais definirá a regulação do tema antes da aprovação de qualquer projeto.
Agora, prepare-se, vem mudança aí!
Os órgãos e entidades de defesa do consumidor também estão mobilizados para defender o direito dos compradores à desistência do negócio. O que está em discussão, no final das contas, é um ponto de equilíbrio que preserve a saúde econômica das empresas e os direitos dos consumidores.
Tem muita discussão acontecendo. Seja como for, tudo indica que uma mudança significativa vem aí no regramento dessa matéria tão importante como polêmica.
Para quem tem interesse nisso é preciso ficar atento, preparar sua empresa contra os riscos do distrato e para as prováveis mudanças na legislação.
Como você vê, é um assunto muito sério e urgente.
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