Nova lei de igualdade salarial entre gêneros

Clarissa Rodella

Escrito por Clarissa Rodella

8 de março 2024| 10 min. de leitura

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Nova lei de igualdade salarial entre gêneros

A nova lei de igualdade salarial entre gêneros trata-se da Lei Federal 14.611/2023, pela qual se destacam direitos dos trabalhadores e deveres das instituições empregadoras.

Utilizei o verbo “destacar” de propósito, vez que essa igualdade para a realização de trabalho de igual valor ou no exercício da mesma função já existia ou deveria existir, antes mesmo da edição dessa nova lei, por todo arcabouço legislativo que já tratava sobre o tema.

Contudo, na prática, com essa nova lei lei de igualdade salarial entre gêneros, as empresas poderão sofrer penalidades pecuniárias em caso de descumprimento, isto é, em caso de violação aos seus comandos. Em sendo identificada a desigualdade salarial e nos critérios de remuneração será aplicada multa administrativa cujo valor corresponderá a até 3% (três por cento) da folha de salários do empregador, limitado a 100 (cem) salários mínimos, sem prejuízo de outras sanções aplicáveis.

Antes da nova legislação, a Justiça do Trabalho enfrentava essas questões nas reclamações trabalhistas, porém de maneira pontual, podendo haver a condenação da empresa contra a qual foi movida a ação judicial, mediante provas.

Nesta versão da lei de igualdade salarial entre gêneros, existe a previsão de multa de 10 (dez) vezes o valor do novo salário devido pelo empregador, e poderá ser aplicada em dobro em caso de reincidência, e também o pagamento das diferenças salarias devidas pela discriminação.

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Lembro que, ainda que tais medidas estejam expressamente previstas, elas não excluem o direito do trabalhador que sofreu a discriminação de procurar advogado para ajuizar a reclamação trabalhista, inclusive com pedido de indenização por danos morais.

Nesta lei, especificamente, foram estabelecidos mecanismos de transparência, por exemplo, o que considero muito importante, vez que a transparência acirra a concorrência entre empresas, e as torna mais preocupadas em cumprir leis e normas, pois as faz serem vistas pelos investidores com melhores olhos. Isso tudo reverbera em prol dos colaboradores, além de promover uma maior competitividade entre candidatos, que certamente irão preferir trabalhar nas instituições que repelem práticas discriminatórias.

Para que esse regramento funcione, haverá fiscalização específica contra a discriminação salarial com a obrigatoriedade de publicação de relatórios de transparência salarial e de critérios utilizados pelas pessoas jurídicas de direito privado (empresas) que possuam 100 (cem) ou mais empregados, sempre, claro, com respeito à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). O

prazo final instituído para inclusão das informações é dia 08/03/2024, devendo o relatório ser publicado nos meses de março e setembro.

Os relatórios necessariamente deverão ser publicados nos sítios eletrônicos das próprias empresas, nas redes sociais ou em instrumentos similares, garantida a ampla divulgação para seus empregados, colaboradores e público em geral.

Fora as questões pontuadas acima, a lei também traz o tema de disponibilização de canais específicos para denúncias sobre discriminação salarial.

Essa lei é considerada antidiscriminatória, salientando que a antidiscriminação se dá não só em relação a gênero, mas também em relação à raça, etnia, origem ou idade. Os relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios conterão dados anonimizados e informações que permitam a comparação objetiva entre salários, remunerações e a proporção de ocupação de cargos de direção, gerência e chefia preenchidos por mulheres e homens, acompanhados de informações que possam fornecer dados estatísticos sobre outras possíveis desigualdades decorrentes de raça, etnia, nacionalidade e idade.

Vale destacar que a lei foi regulamentada pelo Decreto 11.795/2023 e pela Portaria do Ministério do Trabalho e Emprego 3.714/2023, que esclareceram pontos de omissão.

Um dos pontos esclarecidos foi a definição de que o Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios será elaborado pelo Ministério do Trabalho e Emprego, e terá por base as informações prestadas pelos empregadores ao eSocial e as informações complementares trazidas na aba Igualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios (a ser implementada no Portal Emprega Brasil).

No eSocial, precisarão ser preenchidos os dados cadastrais do empregador; o número total de trabalhadores empregados (por estabelecimento); o número total de trabalhadores empregados por sexo, raça e etnia, com salário contratual e remuneração mensal (contendo salário contratual, décimo terceiro, gratificações, comissões, horas extras, adicionais noturno, insalubridade, penosidade, periculosidade, terço de férias, aviso prévio trabalhado, descanso semanal remunerado, gorjetas e outras parcelas, conforme lei ou norma coletiva); os cargos ou ocupações do empregador conforme a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO).

No Portal Emprega Brasil, deverão ser preenchidos os dados sobre existência ou inexistência de quadro de carreira e plano de cargos e salários; os critérios remuneratórios para acesso, progressão ou ascensão dos empregados; sobre incentivo à contratação de mulheres; quais critérios adotados pelo empregador para promoção a cargos de chefia, gerência e direção; e sobre a existência de iniciativas ou programas que apoiem o compartilhamento de obrigações familiares.

Em sendo identificada a desigualdade salarial e nos critérios de remuneração, a Auditoria-Fiscal do Trabalho notificará os empregadores para que elaborem, no prazo de 90 (noventa) dias, o Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens. Na elaboração e na implementação desse Plano de Ação deverá ser garantida a participação de representantes das entidades sindicais e dos empregados.

Tal relatório deverá conter as medidas a serem adotadas por ordem de prioridade; metas, prazos e mecanismos de aferição de resultados; planejamento anual com cronograma de execução; e avaliação das medidas com periodicidade mínima semestral.

Ainda, no Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens, será necessário constar a previsão de programas para a capacitação de gestores, lideranças e empregados quanto à equidade entre mulheres e homens no mercado de trabalho; a promoção de inclusão e diversidade no ambiente de trabalho; e a capacitação e formação de mulheres para o acesso, permanência e promoção no mercado de trabalho em igualdade de condições com os homens.

Há algum tempo, diversos esforços vem sendo perpetrados para que toda esse tema discriminatório seja deixado no passado, e passe a vigorar a igualdade e equidade entre os trabalhadores. Exemplo disso foi a Programa Emprega Mais Mulheres e, agora, a iniciativa prevista nesta lei.

É bastante necessária que sejam colocadas à disposição medidas práticas pelas empresas – e isso traz consigo investimento de tempo e dinheiro – porque somente assim é dada efetiva oportunidade para quem vive realidades diferentes e com menos condições e oportunidades até aquele momento.

Assim, as empresas precisam, com urgência, adotar planejamento eficiente e eficaz, seguido de ações práticas, também para a sustentabilidade do próprio negócio. Esse expandir de consciência não retrocederá.

A legislação atinente ao tema busca fechar as brechas que trazem consigo a discriminação das mulheres no mercado de trabalho – até porque são inúmeros pontos. Portanto, além das medidas já citadas neste texto, haverá a disponibilização pelo Poder Público de uma plataforma digital (canal) que divulgará indicadores da violência contra a mulher; vagas em creches públicas; informações sobre formação técnica e superior, que digam respeito à possibilidade de ingresso no mercado de trabalho (capacitação); informações sobre serviços de saúde, bem como demais dados públicos que impactem o acesso ao emprego e à renda pelas mulheres e que possam orientar a elaboração de políticas públicas.

Apenas trazendo uma reflexão, nunca é demais advertir que capacitação é algo contínuo, nunca termina. E, mais do que isto, que a permanência e ascensão no mercado de trabalho depende de outros fatores, tal como o desenvolvimento de habilidades e competências não técnicas.