Enedina Alves Marques, a primeira engenheira negra do Brasil

Vanessa Farias

Escrito por Vanessa Farias

21 de março 2019| 14 min. de leitura

Compartilhe
Enedina Alves Marques, a primeira engenheira negra do Brasil

Enedina Alves Marques foi uma engenheira brasileira notável, conhecida por ser a primeira mulher negra a se formar em engenharia no Brasil. Nascida em 1913, em Curitiba, Paraná, sua trajetória é marcada por superação e pioneirismo.

Apesar das adversidades e do preconceito racial e de gênero da época, Enedina graduou-se em engenharia civil na capital paranaense na década de 1940 e dedicou sua carreira principalmente ao setor de infraestrutura e energia de seu Estado.

Sua contribuição para a engenharia e para a quebra de barreiras sociais e raciais no Brasil é lembrada como um exemplo de determinação e excelência profissional. Neste post, vamos mostrar os principais aspectos da vida e da obra de Enedina Alves Marques.

Quem foi Enedina Alves Marques?

Enedina Alves Marques nasceu em Curitiba, Paraná. Tornou-se a primeira mulher negra a se formar em Engenharia no Brasil, concluindo em 1945 o curso de engenharia civil na Faculdade de Engenharia do Paraná (FEP) – atual Universidade Federal do Paraná (UFPR).

O início como professora

Nascida em 1913, Enedina foi criada na casa do delegado e major Domingos Nascimento Sobrinho, onde sua mãe – Virgília Alves Marques – trabalhava como empregada doméstica. Assim como a filha de Domingos, Enedina foi alfabetizada na Escola Particular da Professora Luiza Dorfmund entre 1925 e 1926 e, posteriormente, estudou na Escola Normal até 1931.

Enedina Alves Marques (à esquerda) entre outras professoras, em Rio Negro (PR)

Após se formar no curso Normal, Enedina dedicou-se ao magistério em várias cidades do interior do Paraná, incluindo Rio Negro, São Mateus do Sul, Cerro Azul e Campo Largo, até 1935. Retornando a Curitiba entre 1935 e 1937, ela realizou um curso intermediário exigido para o magistério na época, equivalente ao supletivo ginasial atual.

Durante esse período, Enedina morou com a família do construtor Mathias Caron em Juvevê, de quem se aproximou por meio de um amigo, Jota Caron. Além disso, ela ofereceu serviços domésticos em troca de moradia.

Em 1935, Enedina estabeleceu classes seriadas de alfabetização no Colégio Nossa Senhora Menina e, posteriormente, lecionou na Escola de Linha de Tiro.

O curso de engenharia civil

Nos anos de 1938 e 1939, Enedina realizou o curso Complementar de Pré-Engenharia, que lhe habilitou a ingressar no Ensino Superior. Em 1940, ela deu um passo significativo ao iniciar sua graduação em Engenharia Civil.

Segundo o historiador Jorge Luiz Santana, “o ingresso dos acadêmicos no curso de engenharia acontecia com procedimentos iguais, todos tinham que ser aprovados nos exames, demonstrar a documentação exigida e fazer o pagamento total de […] quase dois salários mínimos na época”. Naquele período, os custos se tornaram mais altos para os alunos devido ao bloqueio nos repasses do Governo Federal.

Embora pudesse desfrutar de um auxílio da universidade para arcar com os altos custos, Enedina não teve suas solicitações aceitas. Jorge Luiz Santana relata como ela financiou seus estudos: “Enedina não pagou moradia na casa de Iracema e Mathias Caron porque ali também era o seu local de trabalho. Havia uma contrapartida na relação entre Enedina e os seus patrões, pois ela ‘ajudava’ a família nas atividades domésticas e os donos da casa não a remuneravam, este jogo ajudava no pagamento da sua mensalidade acadêmica.”

Enedina Alves Marques

Apesar dos desafios. Enedina Alves Marques concluiu sua graduação, sendo a única mulher a se formar na turma de engenharia de 1945 da Faculdade de Engenharia do Paraná. Ao lado dela, se formaram 32 colegas homens. Até então, apenas dois homens negros haviam se formado engenheiros na mesma faculdade; e só quatro mulheres, no Brasil – todas elas pela Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Segundo Jorge Luiz Santana, “seu amigo e colega de curso Adelino Alves da Silva, em dezembro de 1945, esteve na solenidade de entrega do diploma de Enedina e lembra-se da homenagem recebida pela mesma com palavras e abraços dos colegas que durante o curso nem mesmo falavam com ela”. Embora fossem vivos, os pais de Enedina não participaram dos eventos que marcaram a diplomação da filha.

Qual foi a contribuição de Enedina Alves Marques?

Após se formar em engenharia civil pela Faculdade de Engenharia do Paraná, Enedina Alves Marques iniciou sua atuação profissional em 1946, como auxiliar de engenharia na Secretaria de Viação e Obras Públicas, também no Estado do Paraná.

Depois, Enedina Alves Marques foi chefe de hidráulica, chefe da divisão de estatísticas e do serviço de engenharia do Paraná, na Secretaria de Educação e Cultura do Estado.

Em 1947, Enedina Alves Marques deu início ao seu trabalho em um novo local. Dessa vez, o Departamento Estadual de Águas e Energia Elétrica do Paraná.

Esse período, de acordo com alguns pesquisadores, foi o auge da sua carreira. Afinal, ela atuou no levantamento topográfico e na construção da Usina Capivari-Cachoeira (Usina Parigot de Souza), por exemplo, dentre muitos outros projetos relevantes.

Da mesma maneira, ela também colaborou na construção de pontes e no levantamento de rios. Assim, atuou melhorando o aproveitamento hídrico das águas dos rios Capivari, Cachoeira e Iguaçu.

Além disso, Enedina Alves Marques trabalhou no Plano Hidrelétrico do Paraná.

Competente e comprometida com o trabalho, Enedina chefiou muitos outros técnicos e engenheiros ao longo de sua bem sucedida carreira na área de engenharia.

Reconhecimentos

Enedina Alves Marques

O reconhecimento profissional ficou mais evidente a partir de 1961. Foi quando o sociólogo Octávio Ianni entrevistou Enedina Alves Marques como parte de sua pesquisa que se transformou no livro “As metamorfoses do escravo”.

No ano seguinte, em 1961, Enedina Alves Marques se aposentou pelo Estado do Paraná, que estava sob o segundo mandato do Governador Moisés Lupion.

Assim, alguns anos depois , ela recebeu o reconhecimento do então Governador do Estado do Paraná Ney Braga. Ele, então, reconheceu os trabalhos da engenheira e, com isso, lhe garantiu renda igual ao salário de um juiz à época.

Hoje, Enedina Alves Marques tem seu nome no Livro do Mérito do Sistema Confea/Crea.

Além disso, no ano de 1988, uma rua de sua cidade natal,  no bairro Cajuru, a 7 km do centro de Curitiba, também veio a receber o seu nome.

Mais tarde, no ano de 2000, a engenheira foi reconhecida pelo Memorial à Mulher. Assim, passou a figurar junto a outras 53 mulheres pioneiras do Brasil em diversas áreas do conhecimento.

Por fim, em 2006, foi fundado o Instituto de Mulheres Negras Enedina Alves Marques, em Maringá, no interior do Estado do Paraná.

Quais foram as obras de Enedina Alves Marques?

Enedina Alves Marques participou de obras importantes para o desenvolvimento do Estado do Paraná, tanto no setor de energia, quanto na educação e habitação estudantil. Confira mais sobre essas obras marcantes e o impacto que tiveram:

Usina Hidrelétrica Capivari-Cachoeira

Esta obra, agora conhecida como Usina Hidrelétrica Governador Pedro Viriato Parigot de Souza, foi um dos principais projetos em que Enedina Alves Marques trabalhou. Situada em Antonina (PR), é considerada a maior a usina subterrânea do sul do Brasil e representou um marco importante no desenvolvimento de energia hidrelétrica na região. A usina hidrelétrica desempenhou um papel crucial no desenvolvimento da região leste do Paraná, incluindo a capital e sua área metropolitana. Sua operação foi essencial para a interconexão dos sistemas elétricos regionais, o que efetivamente atendeu a demanda crescente por energia elétrica em todo o estado. Este avanço foi determinante para eliminar os frequentes racionamentos de energia e impulsionar as diversas potencialidades econômicas paranaenses.

Colégio Estadual do Paraná

Inaugurada em 29 de março de 1950 com a presença de diversas autoridades, a obra é um marco na educação do Estado. Localizado próximo ao Passeio Público de Curitiba, o colégio se destaca por sua imponente arquitetura e localização estratégica em uma área protegida. Com quatro pavimentos, ocupa uma área de aproximadamente 43,1 mil m². Desenvolvido com uma planta em forma de U, o colégio dispõe de 50 salas de aula, cada uma com capacidade para 50 alunos, além de laboratórios para ensino de disciplinas específicas, espaços multifuncionais, salas administrativas, um cinema/teatro para 1000 pessoas, um salão nobre com 400 lugares, bibliotecas e almoxarifado. A estrutura é composta por três blocos, sendo os dois laterais erguidos sobre pilares, o que otimiza o uso dos espaços livres.

Casa do Estudante Universitário (CEU)

Ao lado do Colégio Estadual do Paraná, no Centro de Curitiba, fica a Casa do Estudante Universitário (CEU): uma residência universitária com capacidade para 364 moradores, oferecendo 182 quartos duplos e 4 quartos de hospedagem. Ela atende estudantes de diversas áreas acadêmicas, incluindo graduação, pós-graduação, cursinhos pré-vestibulares e ensino técnico, tanto do Paraná quanto de outros estados e países. A CEU conta com instalações como salão nobre, quadra de esportes, churrasqueira, biblioteca, cozinha e sala de convivência, e também promove atividades artísticas e culturais, fortalecendo seu papel como uma importante residência universitária.

Quando Enedina Alves Marques morreu? De quê?

Enedina Alves Marques, a primeira mulher negra a se formar em engenharia no Brasil, faleceu em agosto de 1981, aos 68 anos, em seu apartamento no Edifício Lido, localizado na Rua Ébano Pereira, centro de Curitiba. A causa da morte foi identificada como um ataque cardíaco. Seu corpo foi encontrado após uma semana, levantando suspeitas inicialmente devido à sua ausência na festa de aniversário de uma afilhada.

Segundo o Jornal Gazeta do Povo, a engenheira, que fez história na profissão dominada por homens, foi vítima de um tratamento sensacionalista e desrespeitoso por parte de um tabloide local. Uma foto publicada pelo periódico, retratando-a de maneira inadequada e sugerindo um assassinato passional, causou indignação e repúdio, especialmente entre os membros do Instituto de Engenharia do Paraná.

As notas de repúdio publicadas enfatizaram os feitos notáveis de Enedina e sua trajetória de superação como uma mulher negra na engenharia. Sua morte, além de marcar o fim de uma era na história da engenharia brasileira, também ressaltou a necessidade de uma cobertura midiática mais ética e respeitosa.

Conclusões sobre a vida e a carreira de Enedina Alves Marques

E então, o que você achou deste post sobre Enedina Alves Marques, a primeira engenheira negra do Brasil? Certamente, Enedina abriu as portas para uma maior participação da mulher no mercado de trabalho, em especial na engenharia.

Se você tem interesse de saber mais sobre essa empolgante profissão, confira o especial que preparamos sobre a engenharia civil em “Tudo sobre a engenharia civil

Aliás, se tem interesse em conhecer ainda mais sobre a história da engenharia civil no Brasil, você não pode deixar de ler o artigo que publicamos sobre o notável engenheiro Milton Vargas.

Espero que goste das minhas sugestões!

Até a próxima!

Referências bibliográficas

SANTANA, Jorge Luiz. Enedina Alves Marques: A Trajetória da Primeira Engenheira do Sul do País na Faculdade de Engenharia Do Paraná (1940-1945).. Revista Vernáculo, [S.l.], dez. 2011. ISSN 2317-4021. Disponível em: <https://revistas.ufpr.br/vernaculo/article/view/33232>. Acesso em: 29 dez. 2023. doi:http://dx.doi.org/10.5380/rv.v0i28.33232.

FERNANDES, José Carlos. Conheça a história da engenheira Enedina Alves Marques. Gazeta do Povo, abr. 2014. Disponível em: < https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/conheca-a-historia-da-engenheira-enedina-alves-marques-8zvma39hdusiu2rc2hmv4cklq/>. Acesso em: 29 dez. 2023.

CRUZ, Débora. Personalidades Negras – Enedina Alves Marques. Fundação Cultural Palmares, jan. 2017. Disponível em: <https://www.gov.br/palmares/pt-br/assuntos/noticias/personalidades-negras-2013-enedina-alves-marques>. Acesso em: 29 dez. 2023.

MESSAGI JR., Mário. CEU oferece moradia mista de baixo custo para estudantes do Paraná. Jornal Comunicação, fev. 2015. UFPR. Disponível em: <https://jornalcomunicacao.ufpr.br/ceu-oferece-moradia-mista-de-baixo-custo-para-estudantes-do-parana/>. Acesso em: 29 dez. 2023.

SECRETARIA DA EDUAÇÃO DO PARANÁ. Museu da Escola – Escolas Tombadas – Colégio Estadual do Paraná. Disponível em: <http://www.gestaoescolar.diaadia.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=53>. Acesso em: 29 dez. 2023.

CASA DO ESTUDANTE UNIVERSITÁRIO DO PARANÁ (CEU). Conheça a CEU. Disponível em: <https://www.ceupr.org.br/p/conheca-ceu.html>. Acesso em: 29 dez. 2023.