Relatório preliminar do Instituto de Criminalística confirma a opinião dos especialistas de que a queda da ciclovia foi causada por uma falha de projeto, que não previa o impacto da ressaca do mar na pista. O acidente matou duas pessoas. Entenda o caso.
A conclusão preliminar da perícia criminal é de que o projeto da Ciclovia Tim Maia, em São Conrado, no Rio, não previa o impacto das ondas na plataforma e o cálculo estrutural para essa situação não foi feito. No relatório divulgado no dia 4 de maio pelo Instituto de Criminalística Carlos Éboli, Liu Tsun, o chefe da engenharia do instituto, conclui que foi feita a previsão do impacto da maré no pilar, “tanto que ele ficou de pé”.
No entanto, nem o projeto básico fornecido pela prefeitura, nem o projeto técnico da empresa responsável pela obra previram o impacto de ondas na plataforma, construída sem amarrações nos pilares. Um trecho de 26 metros da ciclovia desabou no dia 21 de abril, durante forte ressaca no mar, deixando dois mortos. “Nós entendemos que isso deveria ter sido dimensionado, sim.
Não houve amarração da viga no pilar. Somente o cálculo estrutural poderia prever se deveria ou não ser amarrado. Ou amarrar, ou aumentar o peso, ou colocar blocos. Nós não encontramos isso no projeto. O que foi calculado não previa a onda batendo na viga. É um erro, é grave”, disse Tsun. Liu Tsun explica que o projeto foi executado de acordo com o previsto, mas, apesar de vários engenheiros terem analisado o trabalho, “ninguém pensou nessa hipótese”, que poderia ser solucionada de várias formas. “A falta da previsão do impacto das ondas foi primordial para o acidente”, garantiu.
Segundo o diretor do instituto, Sérgio William, o laudo ainda não está pronto e deve ser concluído até o começo da próxima semana. A prefeitura informou que “continua à disposição da Polícia Civil para colaborar com as investigações” e que “o município aguarda a conclusão da perícia independente para se pronunciar”. O laudo da prefeitura será feito pelo Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e pelo Instituto Nacional de Pesquisas Hidroviárias. A prefeitura enviou os dados necessários para a avaliação do projeto no dia 2 de maio. O trabalho começou no dia 3 e tem um prazo de 30 dias para terminar.
Obras públicas e a qualidade dos profissionais de Engenharia
Nas últimas semanas, circulou das redes sociais uma informação de que seria necessário fazer um exame para obter registro de engenheiro no CREA, tal como acontece com os advogados e o exame da OAB. Isso se provou um boato, mas nos leva a pensar na qualidade dos engenheiros que estão atuando no mercado de trabalho. Obras de alta complexidade, como a da ciclovia que desabou, exigem um excelente nível de conhecimento e especialização para evitar tragédias. Quando se trata de obras públicas, a Lei 8.666 determina que as administradoras devem exigir profissionais certificados e especializados para obras de alta complexidade, a fim de garantir a qualidade técnica:
§ 8o No caso de obras, serviços e compras de grande vulto, de alta complexidade técnica, poderá a Administração exigir dos licitantes a metodologia de execução, cuja avaliação, para efeito de sua aceitação ou não, antecederá sempre à análise dos preços e será efetuada exclusivamente por critérios objetivos.
§ 9o Entende-se por licitação de alta complexidade técnica aquela que envolva alta especialização, como fator de extrema relevância para garantir a execução do objeto a ser contratado, ou que possa comprometer a continuidade da prestação de serviços públicos essenciais.
§ 10. Os profissionais indicados pelo licitante para fins de comprovação da capacitação técnico-profissional de que trata o inciso I do § 1o deste artigo deverão participar da obra ou serviço objeto da licitação, admitindo-se a substituição por profissionais de experiência equivalente ou superior, desde que aprovada pela administração. (Incluído pela Lei nº 8.883, de 1994)
Segundo informações públicas da licitação da ciclovia no Rio de Janeiro, o responsável técnico pela obra foi substituído durante a execução da obra, mas não são dadas informações sobre quem é essa pessoa ou porque ocorreu a substituição. A Contemat, uma das responsáveis pela execução da obra, possui certificações ISO 9001:2008 (Execução de investigações e instrumentações geotécnicas e geológicas; contenção de encostas e taludes; tratamento de subsolo e fundações especiais) e OHSAS 18001:2007 (Execução de investigações e instrumentações geotécnicas e geológicas; contenção de encostas e taludes; tratamento de subsolo e fundações especiais).
O que houve então? Seriam essas as certificações adequadas? Seriam os profissionais que trabalharam na obra os que são especialistas no assunto?
Apenas a investigação da prefeitura poderá nos dizer. Enquanto isso, devemos atentar para o fato de que é essencial que as empresas primem pela transparência e justifiquem seus passos durante obras públicas, sobretudo naquelas que são de alta complexidade. Nenhum profissional ou órgão público gostaria que sua obra causasse acidentes, ainda mais um como esse, em que vidas foram perdidas.
Por isso, é importante que as contratantes e as contratadas façam a sua parte: uma fiscalizando a qualidade dos serviços e a outra oferecendo profissionais qualificados que assegurem um produto final seguro e bem feito.
Veja a retrospectiva do caso no Rio de Janeiro:
Um trecho de uma ciclovia no Rio de Janeiro, construída na Avenida Niemeyer, desabou nesta quinta-feira, dia 21 de abril, deixando 2 pessoas mortas e 1 desaparecida. A obra da prefeitura do Rio de Janeiro é tida como um legado das Olimpíadas para a cidade e foi planejada e executada pelo Consórcio Concremat/Concrejato, que integra uma das maiores construtoras do país, com sede em 10 capitais e que alega ter mais de 60 anos em obras do tipo.
A construção iniciou em junho de 2014 e foi inaugurada em janeiro de 2016, há apenas 3 meses, custando no total R$44,7 milhões. A ciclovia de 3,9 quilômetros de extensão e 2,5 metros de altura foi planejada para atender um fluxo de até 70 mil pessoas por dia. A estrutura foi construída sobre a orla marítima, como parte de um complexo de travessia que liga “o Leme ao Pontal”, sendo batizada de ciclovia Tim Maia por conta da música de mesmo nome.
O trecho que desabou estava sobre um penhasco que margeia a Avenida Niemeyer e foi atingido por ondas de uma forte ressaca, que chegaram a uma altura de até 4 metros. Veja vídeo do momento do acidente:
Vídeo do exato momento em que o mar engole a ciclovia. Postado por @riosurfcheck pic.twitter.com/Yu5r1aLNGY
— Bruno Guedes (@BrGuedes) April 22, 2016
Vítimas
Dois mortos e uma pessoa desaparecida é o saldo da tragédia até o momento. Os dois corpos foram retirados das águas por uma equipe do Corpo de Bombeiros, com o apoio de um helicóptero, que continua fazendo varredura no local em busca de outras possíveis vítimas.
Os mortos identificados, até agora, são Eduardo Marinho Albuquerque, de 54 anos, que estaria correndo sobre o trecho que desabou, e Ronaldo Severino da Silva, 60 anos. Nesta manhã seguem as buscas por uma provável terceira vítima, que segundo testemunhas, seria uma mulher. O mar revolto em virtude da forte ressaca dificulta as buscas.
Testemunhas do acidente e moradores da região
O pescador Damião Pinheiro, de 60 anos, morador da Rocinha, foi testemunha do desabamento. Ele acabava de passar na ciclovia, que frequenta todos os dias da semana em sua profissão, quando ouviu um estrondo e, ao olhar viu parte da estrutura desabar, levando ciclistas e pedestres que estavam no trecho afetado.
Ele disse ter parado para ver as pessoas batendo fotos, quando, de repente, veio uma onda, tirou a passarela do lugar e “jogou ela para cima como se fosse um isopor. As pessoas que estavam em cima caíram junto com a passarela, a água que subiu bateu em um ônibus, quebrou os vidros do veículo, e ao descer levou as pessoas com ela”. Muito nervoso, Damião Pinheiro disse ter visto a morte bem de perto. “Eu pensei que também ia [morrer], porque a minha [parte da ciclovia] também balançou”, disse.
A estudante de medicina Micaela Keller mora na Avenida Niemeyer, ela disse que andou uma vez pela ciclovia. “É bomba. É totalmente despreparada para ter pedestre. As vigas são separadas, tremem. Eu moro aqui há 20 anos e sempre tem onda [alta]. Não tem estrutura nenhuma para receber nada”, afirmou. Ronaldo Lapa é jornalista e duas vezes por semana passeia pela Ciclovia Tim Maia. Ele demonstrou surpresa diante do acidente. “Não imaginava que isso pudesse acontecer.
Para quem fazia ciclismo aqui, era um negócio maravilhoso. Era uma das ciclovias melhores do mundo. Muita gente vinha aqui pela manhã. Virou ‘point’.” Lapa garantiu que até hoje, quando ocorreu o desabamento, a ciclovia era considerada por muitas pessoas “o local mais maravilhoso do mundo para passear”. Sua surpresa foi total, assegurou. “Ninguém podia imaginar que uma ressaca podia derrubar uma estrutura construída ao lado do mar que, teoricamente, teria um cálculo bem feito para isso. Foi o mar que derrubou esse negócio mal feito. Uma tristeza”, resumiu.
Análise de especialistas: falha no projeto pode ter causado a queda
De acordo com especialistas chamados para tentar explicar o caso em reportagem do Jornal Nacional, houve falha no projeto. O engenheiro civil Antônio Eulálio, especialista em obras de pontes e grandes estruturas e conselheiro do CREA-RJ, acredita que o projeto não previa o efeito da onda atuando de baixo para cima e torcendo a viga, tombando-a.
O professor Paulo Rossman da COPE-UFRJ dá detalhes sobre as ondas que atingiram a estrutura: uma onda menos comum de 15 segundos de período e 4 metros de altura, com impulso suficiente para subir pelo costão e dar uma pancada por baixo da ciclovia. O engenheiro Eulálio ainda destaca que o trecho que sofreu a queda tinha apoios mais próximos e menos resistentes do que as partes vizinhas da ciclovia.
Entenda melhor o caso clicando na imagem abaixo para ver a reportagem do Jornal Nacional:
Responsabilidades técnicas
O secretário municipal de Governo do Rio de Janeiro, Pedro Paulo, disse que a prioridade agora é com o resgate das vítimas e a interdição da avenida para evitar riscos de novos desabamentos. “Porque na medida em que você tem esse desabamento aqui, põe em dúvida a segurança de outros pontos que têm a mesma configuração de engenharia”. A Avenida Niemeyer ficará interditada para a circulação de pessoas.
O secretário informou que engenheiros, geotécnicos e técnicos irão avaliar as causas “desse acidente imperdoável que aconteceu na ciclovia”. O secretário municipal de Obras, Alexandre Pinto, acrescentou que é prematuro apontar culpados. Disse que embora toda ressaca seja prevista, somente após a perícia que será feita no local e de posse dos resultados das investigações, haverá elementos para indicar as causas reais do desastre.
A fiscalização da obra foi feita pela Geo-Rio, empresa ligada à Secretaria de Obras. “Na verdade, a gente tem que sentir a força da energia dessa onda para poder informar as consequências”. Para o secretário, “não há como dizer claramente agora quais as causas que contribuíram para ter esse acidente”. Apesar disso, ele estimou que os responsáveis são a empresa construtora Concremat e Concrejato e seus calculistas.
Declarações oficiais
Em nota enviada à imprensa, a Prefeitura do Rio lamentou o ocorrido e informou que a Fundação Geo-Rio trabalha para fazer um diagnóstico na apuração das causas do acidente junto com técnicos do município e a coordenação da secretaria municipal de obras. “O resultado da vistoria será divulgado assim que concluído”, informou o comunicado. O subsecretário de obras do Rio disse ao G1 que a obra foi fiscalizada e que a prefeitura não poupará esforços para analisar as causas da tragédia.
Ele ainda afirma que a engenharia da obra está sob suspeita e que vários órgãos estão empenhados numa investigação: a Secretaria de Obras do Rio de janeiro, a Defesa Civil e uma auditoria independente da COPE-UFRJ e INPH, especialistas em monitoramento de ondas e atividades marítimas. Veja o vídeo aqui. O consórcio Concremat/Concrejato disse à Globo News que uma equipe da empresa trabalha em conjunto com a prefeitura do Rio de Janeiro no local e que a prioridade é o atendimento às vítimas e às suas famílias. Com informações dos repórteres Alana Gandra e Akemi Nitahara da Agência Brasil; Globo News; Jornal Nacional e G1