É incrível a frequência com que empreendimentos considerados importantes começam e não terminam. A questão é tão séria que gerou um forte debate, envolvendo o setor da construção civil, municípios, estados, gestores públicos, parlamentares e comunidades prejudicadas.
Os problemas que impactam o atraso na conclusão e elevam os custos das obras públicas de infraestrutura no Brasil são conhecidos e já estão transparentemente retratados na literatura corrente.
Também foram realizados diversos estudos sobre o impacto desses investimentos descontinuados. Os resultados revelam números impressionantes.
Vou mostrar a você os dados mais importantes e recentes.
Desperdício do dinheiro público
O estudo mais recente, divulgado dia 12 de julho de 2018, chama-se “Grandes obras paradas: como enfrentar o problema” e foi elaborado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).
O documento mostra o desperdício do dinheiro público com 2.797 obras paralisadas no País. A maior parte é de saneamento básico. Por sua vez, as obras suspensas do setor de infraestrutura somam 517 (18,5%), de acordo com o Ministério do Planejamento.
Veja o ranking de empreendimentos interrompidos na fase de execução
- Saneamento básico: 447 empreendimentos interrompidos
- Rodovias: 30
- Aeroportos: 16
- Mobilidade urbana: 8
- Portos: 6
- Ferrovias: 5
- Hidrovias: 5
O que é pior: somente as obras paradas de infraestrutura já custaram R$ 10,7 bilhões e não trouxeram nenhum retorno para a sociedade. Se esses empreendimentos não forem concluídos, esse dinheiro pode virar pó.
No levantamento, recebem destaque três grandes projetos que estão em compasso de espera no Nordeste: o Projeto de Integração do Rio São Francisco (PISF), a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol) e a Ferrovia Transnordestina.
A CNI também apontou causas e apresentou recomendações para superar essa situação.
Veja a seguir.
Quais são os principais motivos que levam a paralisação de obras públicas dentro da construção civil.
Problemas técnicos e dificuldades financeiras
Problemas técnicos, abandono por parte das empresas e dificuldades orçamentárias. Segundo a CNI, essas são as principais razões da interrupção dos trabalhos nesses canteiros de obras.
Claro, um fator determinante é a crise econômica do País. Ela gerou a necessidade da contenção de gastos, levando o Governo Federal a paralisar importantes projetos de infraestrutura. Vários estados e municípios seguiram o mesmo caminho, agravando a situação.
Superficialidade dos projetos
Em primeiro lugar, o que se vê nas obras para levar a paralisação é a superficialidade e a falta de qualidade dos projetos engenharia conceitual e básicos. Afinal, esses projetos são utilizados na elaboração dos quantitativos e estimativas que fundamentam as licitações incompatíveis com a complexidade técnica das obras.
Grande Burocracia envolvida
A Burocracia exigida nas construções de obras públicas é outro fator impeditivo. Existem dificuldades no atendimento aos requisitos dos processos burocráticos atribuídos à gama de legislações pertinentes à licitação e execução de obras públicas.
Destaque para a necessidade de aderência à Lei 8.666/93, que dispõe sobre normas para as licitações e contratos da administração pública. Além disso, existem ainda legislações satélites que tratam sobre o atendimento de requisitos socioambientais para a obtenção de licenças, alvarás, autorizações e registros.
Planejamento falho
Falta de planejamento orçamentário adequado pelos contratantes públicos é também um dos principais motivos. Afinal, muitos contratantes públicos não estão acostumados ou interessados a pensar a médio/longo prazos e a destinar/distribuir recursos financeiros em diferentes anos fiscais para a realização das obras.
Interferências externas não planejadas
Existe relativa despreocupação, tanto por contratantes públicos quanto por contratados privados, com o planejamento das potenciais interferências externas entre as obras contratadas. Dessa forma, uma gama de concessionárias de serviços é impactada, em particular, devido à transposição de ativos (redes de tubulação, postes e cabos) e direito de passagem.
Gestão Ineficiente
Outro motivo é a ineficiência da gestão. Ela ocorre tanto por parte de contratantes públicos, quanto de contratados privados, expressa por falhas grosseiras e visíveis de concepção, planejamento executivo, monitoramento e controle das obras.
“Um obstáculo importante ao desenvolvimento da infraestrutura nacional é a difícil interação entre os gestores públicos, responsáveis por fazer os projetos virarem realidade, e os órgãos de controle”, afirma o estudo da CNI.
Isto dificulta, atrasa e até inviabiliza o andamento das obras. A entidade, então, recomendou seis medidas para que evitar paralisações e atrasos:
- Melhorar o macroplanejamento.
- Avaliar a modalidade de execução mais adequada.
- Realizar microplanejamento eficiente.
- Aparelhar melhor as equipes.
- Desenhar contratos mais equilibrados.
- Fortalecer o controle interno.
Esse resultado pode ser justificado, em parte, pela alocação de quantidades e competências insuficientes de profissionais, assim como, pela falta de políticas, metodologias e ferramentas de direção e suporte à gestão.
Aditamentos contratuais
A cultura de aditamentos contratuais desfoca a realização eficiente e diligente do trabalho da obra, em detrimento de ganhos potenciais oriundos da interpretação e “maquinação” de cláusulas contratuais ambíguas.
Dessa forma, as obras estão sujeitas a subjetividades, trazendo questões legais que se propagam para além das entregas contratadas – na melhor das hipóteses, naqueles casos em que as obras são, de fato, concluídas.
Corrupção na paralisação de obras públicas
A corrupção sistêmica é um dos maiores problemas no Brasil e reflete na paralisação de obras públicas. Essa corrupção se sobrepõem e mascara o trabalho eficiente da execução das obras.
Isso acontece mesmo que ainda que se possa observar, nos últimos anos, avanços dos mecanismos de fiscalização, centrados em órgãos como o Ministério Público, Tribunais de Contas e o Poder Judiciário, além da imprensa. Todavia, você pode fazer sua parte para reduzir a corrupção também.
Mas se há um problema no empreendimento, o que fazer?
Paralisar não é a melhor solução
O diretor de Políticas e Estratégia da CNI, José Augusto Fernandes, defende que a paralisação das obras nunca é a melhor solução.
Isto, ressalta ele, representa perdas duplas para a sociedade: recursos públicos desperdiçados e empreendimentos não entregues para o uso da população.
“Os prejuízos para consumidores e empresas são enormes, o mesmo acontecendo com o setor público, uma vez que se trata de projetos que consumiram e continuam a absorver vultosos recursos públicos, sem gerar contrapartidas”, afirma o dirigente da CNI.
Outro estudo, da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), vai ainda mais longe.
Obras paralisadas geram perda de R$ 215 bilhões
É isso mesmo. Conforme a Câmara Brasileira da Indústria da Constução (CBIC), somente no programa “Agora é Avançar”, do Governo Federal, são mais de 7,4 mil obras paralisadas.
O estudo “Impacto Econômico e Social da Paralisação de Obras Públicas”, realizado pela entidade, também aponta que o custo para que esses empreendimentos sejam retomados e concluídos seria de R$ 76 bilhões.
A CBIC destaca uma série de fatores que têm prejudicado bastante o setor e a sociedade neste sentido.
Confira:
Primeiro, a falta de planejamento da Administração Pública, que realiza contratações e dá início a projetos sem recursos para levá-los adiante.
Segundo, a forma como os órgãos de fiscalização e controle agem na hora de determinar a paralisação das obras, sem pesar devidamente os reflexos negativos disso.
Por fim, problemas envolvendo desapropriações, licenciamento ambiental e má qualidade dos projetos executivos também são citados como responsáveis pela descontinuidade de muitas obras públicas.
Impacto na economia brasileira
O consultor Cláudio Frischtak, da Inter.b – Consultoria Internacional de Negócios, realizou o referido estudo sob encomenda da CBIC. Veja o que ele diz sobre o impacto destas obras em andamento no PIB do País.
“A retomada de todas as obras daria um impulso no PIB. Supondo que as obras estariam ainda no seu início – 1/3 dos trabalhos realizados -, o impulso no curto prazo seria de 1,2% do PIB.”
Isso se daria em um prazo de dois anos. Nesse período, seriam gerados mais de 1,4 milhão de empregos diretos e indiretos com o impulso da retomada das obras.
Mas quanto sairia para concluí-las?
Perda de R$ 215,6 bilhões
Conforme a CBIC, seriam necessários R$ 39,5 bilhões para a conclusão de mais de 3 mil obras paradas. Elas estão sob a responsabilidade dos seguintes órgãos: Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (Dnit), Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), Ministério da Saúde e Ministério das Cidades.
Trata-se de empreendimentos que acrescentariam R$ 59,3 bilhões ao produto e à renda do Brasil.
Quanto às obras do programa “Agora é Avançar” e aquelas financiadas com recursos estaduais e municipais, seriam necessários R$ 143,7 bilhões para terminá-las.
O retorno para o produto e a renda do País seria de R$ 215,6 bilhões, equivalente a 3,3% do PIB na demanda agregada.
É o que o Brasil está perdendo com todas essas obras paradas.
Porém, infelizmente, tem mais.
Municípios contam 8,2 mil obras paradas
As prefeituras também estão muito preocupadas com o tema. Afinal, são as autoridades municipais que lidam diretamente com a população atingida pela falta das obras prometidas.
Por isso, no ano passado, a Confederação Nacional de Municípios (CNM) apresentou seu próprio levantamento sobre a questão.
Com dados da Caixa Econômica Federal e do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi), foram contabilizadas 8,2 mil obras paradas nas cidades brasileiras.
O estudo mostrou que um dos principais motivos para a descontinuidade dessas construções é o orçamento da União. Em 2017, estavam previstos R$ 32 bilhões para os municípios. Porém foram repassados apenas 25% desse valor – ou R$ 7,3 bilhões.
Um problema seríssimo
Segundo Paulo Ziukolski, presidente da CMN, essas estruturas paradas têm grande impacto sobre a vida da população. Constituem-se, portanto, em um problema seríssimo para as prefeituras.
Estamos falando de praças, quadras de esporte, recuperação e pavimentação de vias, habitações populares e unidades de atendimento de saúde, entre outros projetos.
Trata-se de equipamentos e serviços muito reivindicados pelas comunidades. Quando a obra não anda, há uma pressão enorme sobre os prefeitos.
Como estamos falando de obras públicas vou sugerir uma ótima dica para você:
O nosso ebook gratuito sobre o Programa Minha Casa Minha Vida – Um guia para o construtor.
Quase metade das obras de creches e escolas inacabadas
A ONG Transparência Brasil, por sua vez, focou suas observações nos projetos inacabados de creches e escolas públicas de programas do Governo Federal.
Segundo a ONG, das 7.453 obras de escolas e creches públicas financiadas pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), 29% estão paralisadas e 17% atrasadas.
Isto representa 46%, ou quase a metade, das obras que estavam projetadas quando foi apresentado o estudo, ano passado.
Foram analisadas 12.925 dessas construções na rede municipal de todo o Brasil.
A Transparência Brasil constatou que, após dez anos de funcionamento dos programas do Governo Federal, apenas 37% das obras foram realmente concluídas e entregues.
Tempo médio de execução é de mais de dois anos
Mais um detalhe: mesmo que o tempo médio fixado para a conclusão dessas obras seja de 13 meses, na verdade, o tempo médio da sua execução ultrapassa os dois anos. Isso é resultado de dificuldades e entraves que atrasam seus cronogramas.
Para tentar ajudar no controle desses empreendimentos, a ONG lançou um aplicativo móvel chamado “Tá de Pé”. Com ele, qualquer cidadão pode tirar fotos e enviar para a equipe de engenheiros parceiros da ONG, que entrará em contato com a prefeitura e o Governo Federal a fim de cobrar por eventuais atrasos.
“A corrupção e a ineficiência resultaram em milhares de crianças em escolas inadequadas ou fora de creches”, lamentou Manoel Galdino, diretor executivo da ONG.
Além disso, em novembro do ano passado, o Governo Federal lançou o Programa Avançar, com a promessa de concluir 7.439 obras paralisadas até o final de 2018. A conferir.
Projeto de Lei ataca o problema
Como você viu, os números variam, conforme os critérios e a metodologia adotados nos levantamentos. Mas não resta dúvida de que o problema é muito grave.
Há um consenso de que o País não pode mais adiar a solução para isso, porque perdem todos: a economia, a população que precisa dessas obras e as empresas construtoras, altamente prejudicadas com paralisam de seus empreendimentos.
Existe uma possibilidade de melhora coim o PL 1292/1995, que está para análise em uma Comissão Especial da Câmara dos Deputados.
Ele trata das licitações, condicionando a paralisação das obras públicas a uma série de quesitos a serem levados em consideração:
- Impactos econômicos e financeiros do atraso.
- Riscos sociais, ambientais e de segurança da população local.
- Custos da deterioração ou perda das parcelas que já foram executadas na obra.
- Despesas da desmobilização e posterior retorno às atividades.
- Fechamento de postos de trabalho – desempregos diretos e indiretos.
Esperemos que o projeto não fique muito tempo parado, como acontece com muitas obras, e seja votado logo. Vamos ficar atentos.
Até o próximo post!