Aldo Dórea Mattos é uma das maiores referências no Brasil em Planejamento, Orçamento e Controle de Obras. Formado em Engenharia Civil e Direito, e mestre em Geofísica, atua como consultor de planejamento e gerenciamento de obras para empresas públicas e privadas.
Mattos é fundador da Seção Brasileira da Association for the Advancement of Cost Engineering (AACE), maior instituição de Engenharia de Custos do mundo. Também é professor do MBA na Fundação Getúlio Vargas e da Fundação Instituto de Administração (FIA).
Em 2014, foi eleito o “Engenheiro de Custos do Ano” pelo IBEC.
É autor dos livros Como Preparar Orçamentos de Obras (Editora Pini); Planejamento e Controle de Obras (Editora Pini); Métodos de Planificación y Gestión de Obras, com Fernando Valderrama (Editora Reverté); Patrimônio de Afetação na Incorporação Imobiliária (Editora Pini) e é colunista regular do Buildin.
Nesta entrevista, ele conversou com o blog do Sienge sobre gestão de obras, mercado da construção, planejamento de carreira e inovação.
Confira!
SIENGE – Como fazer um orçamento de obras com a maior precisão possível?
Obedecendo ao roteiro do orçamento, que inclui a análise do edital, análise do projeto, visita de campo e composição dos custos da obra – custos diretos e indiretos, somados aos impostos e margem de lucro.
Noto que muitos orçamentos costumam ser elaborados com urgência, atropelando o prazo natural de execução das etapas. Isso, naturalmente, pode comprometer sua qualidade e precisão.
Quais são as principais variáveis a serem consideradas para a elaboração de um orçamento?
O tempo fornecido para que o orçamento seja feito e a qualidade do projeto que chegou às mãos do orçamentista têm relação direta com a precisão do orçamento. O projeto deve conter todas as informações necessárias para que a obra seja orçada. Não pode ser meramente um anteprojeto ou projeto básico.
Outra condição para um bom orçamento é que a empresa tenha acesso a um banco de dados confiável e não dependa somente de empresas terceirizadas para fazer a cotação.
SIENGE – Você trabalhou em grandes projetos não somente no Brasil, mas também no Exterior. Poderia citar alguns deles?
Em 1992, trabalhava na Construtora Norberto Odebrecht e fui para a Califórnia, Estados Unidos. Lá executei as obras de retificação de um canal e da represa Seven Oaks.
Ainda pela Odebrecht, participei da construção de um túnel na África do Sul e de uma rede de captação de água no Peru.
Pela Acciona, empresa espanhola, gerenciei os estudos para concessão do Rodoanel do Cairo, no Egito.
Depois disso, abri minha consultoria, que atua tanto no mercado imobiliário quanto em grandes obras de infraestrutura, como estádios, ferrovias, rodovias e usinas hidrelétricas.
SIENGE – Com base em sua vivência internacional, você acha que nosso modo de gerenciar obras apresenta diferença em relação aos principais mercados estrangeiros?
Em países mais desenvolvidos, há mais apuro na elaboração dos projetos. Os orçamentos costumam ser feitos quando o projeto está em um estágio de detalhamento maior, ou seja, quando já é um projeto executivo.
No Brasil, não é assim. Começamos a obra e, simultaneamente, os projetos vão sendo gerados, aprimorados e revistos. Isso causa uma certa imperfeição na técnica.
Também percebo que, em países mais desenvolvidos, o contratante geralmente tem um cuidado maior em aprovar e acompanhar o cronograma da construtora. Existe o costume de avaliar mensalmente o que foi executado.
Isso gera uma interação maior entre contratante e contratada, imprimindo na obra um ritmo de cooperação e facilitando a tomada de decisão. Assim, é possível reverter em tempo hábil os atrasos e os desvios, de forma que não afetem o prazo pactuado e o orçamento pretendido.
SIENGE – O que precisamos fazer para atingir um padrão internacional no mercado da construção civil?
Em relação às obras públicas, os órgãos contratantes precisam ser mais aparelhados e investir em projetos de qualidade. Não basta simplesmente contratar por menor preço. Também é necessário fiscalizar melhor as obras, avaliando prazos, ajustando o projeto e tomando medidas para evitar problemas na liberação de áreas.
Porém, a maior causa de problema nas obras em geral é o fato de que as contratações ainda são feitas com projetos deficientes ou em estágios iniciais de detalhamento. Para se atingir um padrão internacional, é necessário que os projetos sejam mais elaborados.
Além disso, noto que no Brasil existe um certo espírito “canibalesco” entre contratantes e contratados, que também se aplica à relação da construtora com seus fornecedores e subempreiteiros. Com isso, não se cria uma cadeia que trabalha em parceria em diversos projetos sucessivos.
Em minha opinião, esse é um dos motivos para tantas empresas brasileiras do setor de construção quebrarem. No mercado internacional, ao contrário, vemos construtoras trabalhando sempre com as mesmas prestadoras de serviço e fornecedores.
Por isso, uma sugestão que dou a meu clientes é investir na capacitação de empresas mais fracas, porque assim se desenvolve um espírito de equipe benéfico e produtivo. As grandes construtoras fazem isso, e os resultados são eloquentes.
SIENGE – Em sua opinião, como o Brasil pode superar seu déficit em infraestrutura?
Uma maneira eficiente de atenuar o déficit em infraestrutura são as concessões e as parcerias público-privadas – PPPs. É uma forma de conferir agilidade aos processos, bem como de atrair fundos de investimento e outros personagens de ação internacional. Sou um grande fã desses mecanismos de parceria.
SIENGE – O cenário econômico é de incertezas. Ao mesmo tempo, o mercado de construção nacional está sendo ocupado por empresas e investidores estrangeiros. Que recomendação você daria às empresas de construção nesta conjuntura?
Vejo boa parte dos construtores se queixando da crise e não fazendo nada. Agora, talvez, seja o momento certo para as empresas prepararem sua retomada, tornando-se mais visíveis no mercado de concessões e parcerias público-privadas.
SIENGE – Como as empresas podem fazer isso?
De várias formas. Uma delas é se aculturando e investindo na qualificação de seu quadro de funcionários.
Para dar o primeiro passo, também é importante se familiarizar com um instrumento chamado Procedimento de Manifestação de Interesse [PMI]. Nesse formato de contratação, o órgão governamental abre um chamamento público para apresentação de propostas. O ente privado, por sua vez, desenvolve um modelo de PPP para ser avaliado.
Também aconselho as empresas a investirem em um site estruturado, produzirem um portfólio em inglês, participarem de eventos do setor e “mergulharem” em associações e câmaras bilaterais de comércio.
Além disso, a empresa deve começar a dominar formatos de contratação internacionais, como o FIDIC. Assim, poderá dialogar mais facilmente com os players internacionais.
Por último, sugiro que a organização busque se inserir em outros países. Inicialmente, essa presença pode ser tímida, mas com o tempo vai ganhando capilaridade. Nesse caso, indico começar pelos mercados da América Latina e África. Muitas empresas têm recorrido a nossa consultoria para fazer isso.
SIENGE – Diante do contingente de cerca de 50 mil engenheiros desempregados, o que você acha do projeto federal que visa facilitar o ingresso de engenheiros estrangeiros no País?
Acho esse projeto válido. Aposto que se fizéssemos uma pesquisa com 100 engenheiros brasileiros, perguntando quantos gostariam de ter uma experiência internacional, 99% diriam que sim. Por isso, acho um contrassenso querer fechar as portas do Brasil ao ingresso de profissionais estrangeiros.
Durante muitos anos, vivemos em uma “bolha”, e agora ela está se rompendo. Se queremos estar inseridos no contexto internacional, o intercâmbio com profissionais de outras nacionalidades é muito sadio. Eles podem contribuir, entre outras coisas, com pesquisas, startups e projetos em universidades.
A resistência que o referido projeto federal enseja é motivada pelo receio da concorrência. As pessoas pensam que nosso mercado será “invadido” por milhares de estrangeiros. Mas não é assim. O Brasil não é um país para iniciantes, pois temos uma maneira própria de trabalhar e licitar obras.
Trata-se apenas de facilitar que empresas de fora capacitem seus profissionais para exercer certos papéis aqui. Sei disso porque trabalhei muitos anos fora. Nós, engenheiros estrangeiros, éramos poucos, e sempre havia investimento na mão de obra local.
Em relação ao desemprego no setor, acredito que seja um fato episódico, momentâneo. O Brasil retomará o crescimento, como já aconteceu depois de diversas outras crises.
SIENGE – Como um profissional de Engenharia Civil pode se destacar atualmente? Em que áreas do conhecimento deveria investir?
Vejo muitos engenheiros civis saindo da faculdade e achando que já estão com a “caixa de ferramentas cheia”. Contudo, não é assim. A faculdade apenas mostra um rumo. Para entrar na selva do mercado de trabalho e prosperar, o profissional precisa, no mínimo, saber inglês e ter algum tipo de certificação.
Por isso, incentivo os jovens: façam uma pós-graduação, obtenham uma certificação, frequentem feiras e congressos, filiem-se a entidades. É a maneira mais fácil de criar uma rede de contatos e ter acesso facilitado a empresas do setor e a novas técnicas construtivas.
Muitos profissionais apenas se queixam. Parece que esperam que, no dia seguinte, vá chegar um convite para trabalhar em uma megaobra em um lugar glamouroso. Não é assim – é preciso correr atrás.
O mesmo vale para os engenheiros que estão na metade da carreira, pois nunca é tarde para se capacitar e obter uma certificação em gerenciamento de projetos ou em novas tecnologias, como o BIM. O que não pode é ficar parado, ou o profissional pode ser atropelado pela roda da história.
SIENGE – Você já afirmou que a inovação na construção civil não está necessariamente atrelada a tecnologias de ponta. Como as empresas podem inovar executando mudanças simples nos processos tradicionais de trabalho?
Quando comecei minha carreira, durante uma década os processos de trabalho eram exatamente os mesmos. Hoje, a cada três ou cinco anos as coisas podem mudar.
Entretanto, as empresas tradicionais têm mais dificuldade em adaptar seus processos à inovação. Isso não tem a ver com tecnologia, mas sim com pensar de forma diferente. Por exemplo, a maioria ainda mantém todos os funcionários trabalhando no mesmo horário e conserva uma estrutura hierarquizada, com pouco diálogo horizontal e vertical.
Mas os processos de mudança são irreversíveis. Por isso, uma sugestão que dou às empresas é se aproximar de startups e ver de que forma elas podem ajudar em termos de pesquisa, desenvolvimento e inovação. É muito mais acessível do que criar um setor específico para isso na organização, o que envolve gastos e burocracia.
Veja meu caso. Tenho 52 anos e achei que esse “mundo da inovação” não fosse para mim. Mas comecei a pesquisar formas de me inserir. Porque, no fundo, tudo no mundo da construção se resume a prazo e custo, e eu detenho o manejo dessas ferramentas. O que realmente importa são fundamentos inabaláveis, dos quais os engenheiros com mais tempo de profissão têm domínio.
Se associarmos o conhecimento dos profissionais de “cabeça branca” ao sopro de inovação que os mais jovens estão trazendo, as construtoras e incorporadoras têm muito a se beneficiar. Mas para isso é preciso vencer resistências e se abrir ao novo.
Meu recado às empresas que têm interesse no tema: participem de eventos do setor, frequentem feiras de startups, busquem técnicas como o Design Thinking – ferramenta que descortinou um novo mundo para mim. Há um caminho enorme a ser palmilhado!
Em breve, publicaremos nova entrevista com um profissional de destaque do setor de construção civil. Não perca!