As grandes cidades brasileiras estão crescendo para fora, mas perdendo vida no centro. O que explica esse fenômeno? E como reverter esse processo?

As 25 maiores cidades do Brasil expandiram suas áreas urbanas de forma significativa nas últimas décadas. No entanto, entre os censos de 2010 e 2022, essas mesmas cidades perderam, juntas, cerca de 3 milhões de habitantes. A matemática urbana parece não fechar: mais expansão, menos gente. 

Mesmo com a redução populacional, continuamos construindo, asfaltando, iluminando e estendendo redes de saneamento para novas áreas. Essa escolha nos custa caro — e exigirá ainda mais no futuro, em manutenção e operação de serviços públicos essenciais. 

Estamos, de fato, abandonando o que já foi construído nos centros urbanos e direcionando esforços e recursos para as bordas das cidades. É hora de refletir: por que estamos nos distanciando tanto dos centros e como podemos reocupá-los com inteligência, segurança e humanidade?

O esvaziamento dos centros: sintomas de um modelo esgotado

Os centros urbanos estão se tornando lugares onde as pessoas não vivem mais. A insegurança, o abandono, a degradação física e a precariedade dos serviços públicos criam um ambiente hostil à moradia. Resultado: trabalhadores se afastam dos polos de emprego e enfrentam longos deslocamentos diários. 

Em São Paulo, um estudo da Ernest Young mostra um dado alarmante: enquanto na periferia há cinco moradores para cada emprego, no centro expandido a proporção é invertida — 20 empregos para cada morador. O que impede, então, que mais gente more no centro? 

A resposta está nas raízes do nosso planejamento urbano: cidades historicamente pensadas para fluxos de veículos, para segmentar funções (trabalhar em um lugar, morar em outro) e com normas que dificultam a reocupação adaptativa de áreas centrais. 

Entraves legais e burocráticos

Iniciativas públicas já tentam enfrentar esse problema, mas frequentemente esbarram em legislações defasadas. Um dos principais entraves está na exigência de que edificações antigas se adaptem por completo às normas atuais de construção — algo muitas vezes inviável técnica e financeiramente. 

Não faz sentido exigir que um prédio de 60 anos siga as mesmas regras de um edifício recém-construído. O resultado é a paralisação de projetos de recuperação, o abandono de prédios históricos e, em muitos casos, sua destruição. 

Além disso, o sistema de análise do uso de patrimônio histórico está sobrecarregado e carece de critérios claros. Falta hierarquização do que realmente precisa ser protegido. Muitos imóveis de real valor histórico se perdem no tempo — vítimas do vandalismo, da degradação e da lentidão burocrática. 

O centro como produto urbano diferente 

O modelo de financiamento imobiliário tradicional também não se aplica bem ao contexto dos centros urbanos. Trata-se de um “produto” com outro perfil: demanda regras específicas, incentivos adequados e uma abordagem mais integrada. 

Em outros países, há marcos legais que permitem, por exemplo, que cidadãos e empresas ajudem o poder público na zeladoria dos espaços centrais — por meio de parcerias em segurança, limpeza, manutenção e promoção cultural. 

É uma visão mais moderna e participativa da gestão urbana. O centro passa a ser um espaço coletivo, vivo e cuidado, com a presença ativa da população. 

Hora de reagir 

O momento exige ação. Precisamos, com urgência, revisar a burocracia que trava a reocupação dos centros urbanos. Precisamos de leis que dialoguem com a realidade dos edifícios antigos, de programas de fomento ao uso misto (moradia, trabalho, cultura, lazer), de novos modelos de financiamento e de participação ativa da sociedade civil. 

Felizmente, já vemos bons exemplos em algumas capitais brasileiras, onde programas piloto de reocupação começam a dar frutos. É fundamental ampliar essas experiências e criar um movimento nacional de regeneração urbana. 

Conclusão: devolvendo os centros às pessoas 

Centros urbanos vibrantes são sinônimos de cidades seguras, sustentáveis e humanas. Chega de cracolândias e áreas abandonadas. Queremos ver crianças brincando nas praças, arte nas ruas, pessoas caminhando à meia-noite sem medo. Queremos centros que sejam lugares de convivência, diversidade e vida. 

Esse é o sonho. Mas também é um objetivo possível — desde que haja vontade política, revisão das regras e envolvimento da sociedade. 

Discutam, provoquem seus governantes, cobrem soluções, proponham ideias. Usem todos os instrumentos da democracia para transformar esse sonho em realidade. Os centros urbanos são das pessoas — e a cidade, quando bem pensada, é o espaço da convivência. Vamos retomá-la.


Produzido por José Carlos Martins

Presidente do Conselho Consultivo da CBIC e CEO da JCM Estratégia na Construção


José Carlos Martins é presença confirmada no Construsummit 2025

Este e outros temas relevantes também serão abordados e aprofundados no Construsummit 2025, que acontecerá nos dias 4 e 5 de junho em Florianópolis, Santa Catarina.  

No evento, José Carlos Martins falará um pouco mais sobre os cenários e expectativas para a política habitacional e o programa Minha Casa, Minha Vida em 2025/2026, que poderá também ser impactado pelo tema estratégico de reocupação de centros urbanos. 

Já são +70 palestrantes e painelistas confirmados que vão inspirar (e provocar) quem quer realmente transformar a Indústria da Construção e o Mercado Imobiliário. 

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