Marco Legal das Garantias e os impactos para o Mercado Imobiliário

Clarissa Rodella

Escrito por Clarissa Rodella

30 de março 2023| 16 min. de leitura

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PL 4188/21 permite que a garantia imobiliária seja utilizada tantas vezes quantas caibam dentro do valor do imóvel

O texto do Marco Legal das Garantias, que estabelece novas regras para os procedimentos de obtenção de crédito no País, está em tramitação no Congresso Nacional como o Projeto de Lei nº 4188/21. Pelo texto em análise, por exemplo, será possível utilizar um mesmo imóvel como garantia em diferentes operações de financiamento, o que não é possível atualmente.

Esse é mais um dos esforços que vêm sendo forjados no Brasil para criar um ambiente mais desburocratizado e juridicamente seguro, a fim de torná-lo mais atrativo para investimentos.

A simplificação de diversos procedimentos e normas traz também maior segurança. Isso porque um dos pontos negativos sobre os diversos institutos jurídicos é justamente o emaranhado de normas que os regulamentam. Suas interpretações por parte do Judiciário podem arruinar um ou o outro lado da relação jurídica, notadamente para temas em que não há a obrigatoriedade de seguir o que os tribunais superiores determinaram em decisões “piloto” semelhantes.

Tivemos há pouco tempo a entrada em vigor da Lei 14.382/22, que, dentre outras medidas, inclusive extrajudiciais, efetivou o SERP – Sistema Eletrônico dos Registros Públicos. Trata-se de uma central única que moderniza e unifica sistemas de cartórios em âmbito nacional, além de permitir registros e consultas mais rápidos por meio da internet.

A lei estabeleceu que os compradores estarão protegidos por meio da garantia do patrimônio de afetação até a emissão do Habite-se. Essa medida ajuda a minimizar os riscos relacionados a obras inacabadas.

Assim, vê-se que, atualmente, as diligências para assegurar o alavancamento do mercado imobiliário, minimizando riscos para todas as partes envolvidas, vem de fato de várias frentes. Isso é importantíssimo, haja vista que a construção civil no Brasil é determinante para impulsionar a economia do país.

Resolução 5.055

Caminhando por essa “remoção de entraves”, decisivos para todos os players do mercado imobiliário, temos a edição da Resolução 4.909 do Conselho Monetário Nacional, substituída pela Resolução 5.055, que trata da ampliação e descentralização da oferta de crédito para o setor.

Ora, o registro dos recebíveis imobiliários ganha maior relevância no mercado já que traz novas possibilidades de acesso e oferta de crédito para o setor da construção civil, visando oferecer mais segurança a todo o setor. O Sienge explora o assunto em detalhes em um e-book especial.

A realidade é que a ânsia de maior coesão nas decisões judiciais e maior segurança jurídica é possível de ser verificada em outras normativas encabeçadas por outros órgãos. É o caso, por exemplo, da Norma ABNT NBR 17170 – Edificações – Garantias – Prazos recomendados e diretrizes, elaborada conforme as melhores práticas internacionais.

Outros exemplos de prontidão surgem à mente. As empresas em geral e, especificamente, no setor da Construção, podem adotar medidas como a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) e a agenda ESG (governança ambiental, social e corporativa) para garantir transparência e segurança nas relações comerciais. Essas medidas são fundamentais para promover um ambiente de negócios confiável.

E não é diferente com o “Marco Legal de Garantias” (veja o texto na íntegra). Seu objetivo é justamente tirar dos ombros das instituições financeiras o custo do gerenciamento das garantias, com a finalidade de diminuir os juros, buscando também a diminuição do risco da inadimplência e a redução do custo do crédito.

Opiniões divergentes

Tanto é que, quando da Consulta Pública SEAE – Secretaria de Acompanhamento Econômico nº 03/2021, que pode ser acessada até os dias atuais através deste link –, verifica-se a seguinte declaração: “A finalidade da reforma é propiciar a melhoria do arcabouço legal de garantias reais, com especial enfoque sobre as garantias mobiliárias e, como consequência, dinamizar o mercado de crédito, adequando o Brasil às melhores práticas internacionais e melhorando o ambiente de negócios do país.”.

No mundo jurídico, a ausência de um tratamento unificado para as diferentes garantias, considerando sua constituição, seu registro e sua execução, traz efeitos nefastos para o desenvolvimento econômico. E isso é de uma obviedade sem tamanho, haja vista que, ante a esse panorama, não se sabe ao certo como será a interpretação das normas pertinentes ao tema e qual regra por fim será a adotada caso venha ocorrer algum problema na consecução de um contrato. Isso pode inibir ou aumentar sobremaneira o custo para o próprio negócio.

Contudo, quando se leem as opiniões na enquete disponível no site da Câmara dos Deputados, a maioria que ali se manifestou – cerca de 80% – é contra a lei. Em resumo, alegam que poderá prejudicar a pessoa endividada que contraiu empréstimos e poderá ficar sem a casa própria. Realmente, o projeto de lei aduz acerca do bem de família, que, enquanto objeto garantidor, pode ser alvo de penhora. Ocorre que isso já é realidade quando se disponibiliza o bem de família como garantia de um empréstimo.

Tramitação

Por ora, a tramitação segue em curso na Casa Revisora, ou seja, no Senado, tendo sido concluída sua tramitação na Câmara dos Deputados (Casa Iniciadora). Em sendo aprovado o texto pelo Senado, seguirá para sanção do Presidente. Se houver alteração no texto, voltará à análise da Câmara.

No Portal E-Cidadania, a proposição legislativa está disponível para votação dos cidadãos, por meio de Consulta Pública. Até a data de 21.03.2023, a proposição contava com 22 votos a favor e 32 votos contra.

A Consulta Pública é um processo obrigatório pelo qual todas as proposições legislativas passam durante sua tramitação no Senado. Durante esse processo, os usuários cadastrados no Portal têm a oportunidade de votar uma única vez. Essa etapa é essencial para garantir a participação da sociedade no processo legislativo.

Vale lembrar, contudo, que a votação proveniente da Consulta Pública não vincula os votos dos senadores. Assim sendo, seu propósito é tão somente o de sinalizar a opinião pública a respeito da matéria, contribuindo com a formação da opinião de cada senador.

É importante destacar que outras entidades, incluindo o Banco Central – que abordaremos posteriormente – também realizam consultas públicas. Recentemente, o órgão concluiu sua terceira consulta pública sobre a regulamentação da Lei nº 14.286/2021, que aborda questões relacionadas ao mercado de câmbio brasileiro, ao capital brasileiro no exterior, ao capital estrangeiro no país e à prestação de informações ao Banco Central.

O que muda se o Projeto de Lei 4.188/21 se tornar Lei?

Além dos impactos acima descritos, as principais alterações que veremos com a nova lei serão:

  1. A possibilidade de uso da garantia imobiliária tantas vezes quantas caibam dentro do valor do imóvel;
  2. A possibilidade de penhora do bem de família em caso de emprego como garantia de um empréstimo;
  3. Outros bancos públicos e privados, além da Caixa Econômica Federal, poderão operacionalizar os penhores civis, ampliando a concorrência neste mercado.

Um aspecto importante do Projeto de Lei é a implementação de um serviço especializado de gestão de garantias, tanto reais quanto pessoais, bem como uma melhoria das regras relacionadas a essas garantias. O objetivo é tornar sua utilização mais segura, simples e eficiente.

Esse serviço de gestão especializada se daria por meio das Instituições Gestoras de Garantia, as chamadas IGGs, dirigido por Pessoas Jurídicas de direito privado. Sua regulamentação ficará sob responsabilidade do Conselho Monetário Nacional e seu funcionamento, autorizado e supervisionado pelo Banco Central.

O que são as IGGs?

De forma resumida, as IGGs seriam os elos de facilitação entre as instituições financeiras e as pessoas que desejam tomar o crédito, ou seja, os donos de imóveis. Realizariam, assim, serviços para a obtenção, contratação, a utilização, gestão, complementação e compartilhamento das garantias.

Em caso de aprovação, o projeto do Marco Legal das Garantias tira das mãos das instituições financeiras tanto a avaliação, como a recuperação do crédito, ficando responsáveis pela negociação das condições de prazo e juros com os donos de imóveis.

É importante mencionar que o funcionamento das IGGs depende da celebração de um contrato de gestão com o prestador da garantia. Este contrato deverá prever o valor máximo de crédito que poderá estar vinculado à garantia, o prazo de vigência e os tipos de operação expressamente autorizados pelo prestador da garantia, inclusive em benefício de terceiros.

O único ponto de atenção que trazemos para discussão é a hipótese de não haver um número significativo de instituições habilitadas como IGGs, o que poderá culminar num encarecimento no valor da taxa financeira, cenário oposto ao desejado pelo Projeto de Lei.

Alienação fiduciária aprimorada

Em suma, o Projeto de Lei vislumbra aprimorar a alienação fiduciária e a hipoteca, alinhando os procedimentos desta ao daquela. Assim, traz de volta a hipoteca como uma opção atrativa de garantia, próxima do que se vê quanto à alienação fiduciária.

O aprimoramento da alienação fiduciária envolve alterações nas regras de intimação do devedor, bem como a definição e critérios para o preço vil em leilões, com um percentual mínimo de 50% para arrematação. Além disso, o projeto estabelece procedimentos para a execução de dívidas garantidas por mais de um imóvel e para a contratação de novas dívidas com base em uma mesma garantia imobiliária.

Ainda falando sobre a garantia da alienação fiduciária, o projeto do Marco Legal das Garantias melhora as regras para o leilão extrajudicial e para a exoneração do credor, nas hipóteses de o valor auferido com a alienação do imóvel ser insuficiente para cobrir o valor da dívida.

Outras novidades

O Projeto de Lei propõe, ainda, que haja a execução de garantias com concurso de credores e institui o agente de garantias. “O ‘Agente de Garantia’ é a figura, que pode ser nomeado pelos credores, como aquele que poderá constituir, levar a registro, gerir e pleitear a execução de qualquer garantia, designado para este fim pelos credores da obrigação garantida, agindo em nome próprio e em benefício destes. O Agente de Garantia poderá ser um dos credores ou qualquer terceiro, com possibilidade de ser substituído a qualquer tempo, por decisão do credor individual ou concurso de credores, observando o quórum de maioria simples dos créditos garantidos, o que deve gerar maior eficiência e profissionalização na gestão, registro e execução das garantias”.

O texto do projeto do Marco Legal das Garantias também permite o uso da Letra Financeira como um instrumento de saneamento no mercado de operações ativas vinculadas. Isso significa que ela será uma opção para refinanciar operações já realizadas pelas instituições financeiras. Atualmente, a Letra Financeira é regulamentada pela Resolução do Conselho Monetário Nacional n. 5007 de 2022. Trata-se de um título de renda fixa emitido pelas instituições financeiras para captar recursos de longo prazo e oferecer aos investidores rentabilidades mais atrativas em razão do prazo e da impossibilidade de resgate antecipado.

Por fim, o Projeto de Lei determina que os Estados e Municípios possam utilizar qualquer instituição financeira para fazer o pagamento de professores e outros profissionais da área de educação. Mesmo que os recursos sejam oriundos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).

Impactos no Mercado Imobiliário

Além das questões anteriores, uma das novidades do projeto de Marco Legal das Garantias de Empréstimos é o chamado “home equity”. Também conhecido como “crédito com garantia de imóvel”, é uma modalidade comum nos Estados Unidos e na Europa.

O home equity é o crédito para pessoa física ou jurídica operacionalizado por instituição financeira, garantido por imóvel quitado do tomador do empréstimo. Seu emprego permite obter taxas mais baixas e pagamento em prazos mais longos, dado que a garantia imobiliária reduz o risco de crédito.

É certo que investir na educação financeira e aculturamento dos cidadãos fará com que tenham opções diante de dificuldades financeiras. Mais do que isto, poderem de fato calcular o que faz ou não sentido na hora de tomar emprestado. A capacitação sempre eleva uma potencial vítima a alguém com poder de, conscientemente, definir qual caminho é o melhor para si.

De outro lado, as instituições financeiras, investidores, empresas e todos os envolvidos, uma vez que haja maior segurança e transparência nas operações negociais e de crédito, precisarão caminhar coerentemente ao encontro dos objetivos e panorama salutar esperado pelo projeto do Marco Legal das Garantias de Empréstimo, oportunizando um custo do crédito menor, mais dinâmico, seguro e eficaz.