Paralelo à proposta de revisão das metas fiscais 2017-2018, que propõe elevar o déficit público à estratosférica marca de R$159 Bilhões em ambos os anos, o governo sancionou na semana passada (17/08/2017), com vetos significativos, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2018.
O Governo justificou sua iniciativa sobre o contexto fiscal inadequado que o país enfrenta. Imediatamente após, o congresso reagiu criticando duramente a proposta do governo na Comissão Mista de Orçamento (CMO). E contra-atacou criando uma comissão de parlamentares encarregados de “negociar” a derrubada dos vetos.
Especificamente, o governo vetou, entre outros pontos de extrema importância, o orçamento destinado à conclusão de obras inacabadas com percentual de execução física superior a 50% e as ações relativas ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
A lista completa e oficial de vetos e justificativas encaminhadas pelo governo pode ser conferida em no site do Planalto. A essência da reação contrária do congresso, que não partiu exclusivamente da oposição, é a de que em ano eleitoral o corte de gastos com obras públicas pode prejudicar a visibilidade e as pretensões políticas de parlamentares envolvidos com a reeleição.
Impacto econômico da paralisação de obras públicas
Diferentemente da análise em pauta pelos congressistas, este blog não vislumbra, simploriamente, a ótica e o viés político associado à paralisação de obras públicas. Mais que isso, se estende à análise do impacto econômico do ato extremo de se interromper a liberação de fundos previamente orçados. Consequentemente, paralisando de modo intempestivo o andamento de obras públicas semi-concluídas (com mais de 50% de avanço) por tempo indeterminado.
Tal iniciativa do governo afeta, não só a indisponibilidade do legado público ao cidadão comum e a frustração dos interesses sociais e econômicos benéficos à sociedade esperados da obra. Também impõe à Administração uma gama de despesas adicionais decorrentes da paralisação em si.
A pergunta do momento é: será que a decisão de vetos ao orçamento para a conclusão das obras levou em consideração a contabilização dos custos adicionais e das perdas potenciais decorrentes da paralisação? Ou a decisão foi rasa e pautada simplesmente no corte imediato de verbas para que o montante de investimentos pudesse caber numa conta de chegada?
Custos afundados (sunk costs)
Uma obra semiacabada (com mais de 50% de avanço) e paralisada, visível aos olhos através dos tapumes pichados que a escondem, torna evidente o pouco caso dado pela Administração ao montante de investimento público que nela já fora aplicado e que, provavelmente, nunca retornará como benefício para a sociedade. Dinheiro público que escoa pelo ralo e que provoca a reflexão sobre a pertinência da decisão política de autorizar a execução da obra e o seu custo de oportunidade. A depreciação de estruturas civis e equipamentos deixados ao tempo costuma ser rápida e implacável (dependendo do grau de preservação adotado) e é acelerada pelo vandalismo que corrói o investimento já realizado.
Em adição, uma obra paralisada não exime a Administração do pagamento de despesas financeiras decorrentes dos empréstimos tomados para a realização da parcela concluída da obra. Valor que se estende após a decisão de paralisação da obra.
Custos decorrentes do cancelamento de contratos
Paralisar uma obra pública implica, necessariamente, na revisão ou cancelamento de contratos com projetistas, empreiteiras, montadoras, gerenciadoras, fabricantes de equipamentos etc. Isso provoca desequilíbrios econômico-financeiros às partes afetadas e provocam o encaminhamento de litígios judiciais (ou arbitrais) que acabam onerando a Administração a altas custas e por longo prazo.
Essa ineficiência é indesejada e, geralmente, não contabilizada na decisão intempestiva de paralisação das obras. Sem contar o efeito social perverso e o custo econômico das desmobilizações e demissões que se estendem a toda a cadeia de fornecimentos que gravita em torno da obra paralisada.
Custos decorrentes da necessária preservação das estruturas semiacabadas e dos equipamentos entregues
É de praxe a Administração solicitar das empresas que tiveram contratos cancelados a definição de medidas voltadas à preservação das estruturas civis e equipamentos disponíveis na obra paralisada. Entretanto, cabe ao Contratante vir a executá-las, ou contratar quem o faça em seu nome.
Portanto, vale aqui a lembrança da contabilização das despesas de preservação, que se estendem à segurança patrimonial, à manutenção do legado, à perda de garantias, aos impactos ambientais etc. durante todo o tempo de paralisação (se é que a obra será retomada um dia) na decisão de distrato contratual e paralisação da obra.
Custos decorrentes do impacto urbano de obras abandonadas
Valeria a pena, ainda, que o governo contabilizasse em sua decisão de paralisação de obras os custos decorrentes dos transtornos provocados na mobilidade urbana (pedestres e veículos) pelo abandono de escavações e estruturas e sobras de materiais deixadas ao tempo – áreas abertas ou cercadas com tapumes que demandam desvios, sinalizações e cuidados especiais.
Soma-se à lista os custos decorrentes dos cuidados necessários contra o vandalismo e o aumento da criminalidade em áreas abandonadas e degradadas por obras paralisadas, assim como pelo descuido e descaso do cidadão no contato diário com a sujeira e a feiura do meio em que habita e a consequente desvalorização de áreas e imóveis das redondezas.
Perdas dos benefícios esperados das obras
Por último, questiona-se se o governo avaliou o outro lado da equação. O lado que quantifica as perdas para o cidadão decorrentes da paralisação das obras e da frustração dos benefícios que delas eram esperados. Nessa rubrica deve-se considerar o impacto social direto da indisponibilização do bem ou dos serviços que deixaram de ser proporcionados pela obra concluída, como no caso de hospitais, escolas, estradas, transporte urbano etc.
Acrescente-se a isso o impacto negativo sobre a economia local/regional/nacional da obra paralisada. Estradas que poderiam estar escoando a produção, portos que poderiam estar transitando mercadorias, usinas que poderiam estar gerando energia, etc – empregos criados, renda distribuída, sociedade em desenvolvimento.
Enfim, senhores congressistas, não é sobre o impacto político que reside a sua decisão de manter, “negociar” ou reverter os vetos do governo à LDO 2018, mas sobre a objetividade econômica da relação custo-benefício de se paralisar obras públicas prestes a serem entregues e disponibilizadas à sociedade.
Alonso Mazini Soler, Doutor em Engenharia de Produção POLI/USP e Professor da Pós Graduação do Insper – alonso.soler@schedio.com.br