- Desenvolvimento imobiliário no Brasil passou por crescimento intenso, mas agora enfrenta desafios como inflação, juros altos e mudanças no comportamento do consumidor
- Incorporadoras estão mais estruturadas, com acesso a dados estratégicos e abertas à tecnologia
- O futuro do setor exige mais preparo, análise e foco no que realmente importa, com produtos imobiliários pensados para nichos específicos e antecipação de demandas e inovações.
O desenvolvimento imobiliário no Brasil atravessou uma fase intensa de crescimento nos últimos anos, impulsionado por condições econômicas favoráveis e forte demanda por novos empreendimentos. No entanto, o cenário atual já exige atenção redobrada.
Com a inflação resistente, os juros em patamares elevados e mudanças estruturais no comportamento do consumidor, o setor entra em uma nova fase: mais desafiadora, mas também mais madura.
Esse novo contexto não deve ser encarado como retrocesso, mas como um convite à evolução. As incorporadoras, em boa quantidade, estão hoje mais estruturadas, com melhores práticas de gestão, acesso a dados estratégicos e mais abertura para adoção de tecnologia.
Encarar os desafios com visão estratégica, aliando inteligência de dados, conhecimento regulatório e inovação, é o caminho para minimizar riscos e manter a competitividade. Como o setor tem amadurecido, as oportunidades continuam, mas exigem mais preparo, análise e foco no que realmente importa.
Por isso, o futuro do desenvolvimento imobiliário vai pertencer a quem esteja disposto a repensar processos, ajustar rotas e construir com mais eficiência. Vamos falar mais sobre isso neste artigo.
Desafios para o desenvolvimento imobiliário
Em palestra que apresentei no último Construsummit, destaquei nove desafios que quem atua no desenvolvimento imobiliário precisa colocar no radar.
Abaixo vamos ver cada um deles:
1. Inflação persistente e juros altos
A Selic foi elevada a 15%, maior patamar em quase duas décadas, para conter a inflação. Isso encarece o financiamento e torna os compradores mais cautelosos, reduzindo a margem de parcelas. Para o incorporador, isso exige mais atenção na precificação, já que pequenas variações na taxa de juros podem inviabilizar o pagamento do público-alvo.
2. Reforma tributária
A mudança prevista para 2027 exigirá decisões sobre regimes fiscais a serem adotados para terrenos e incorporação, evitando inflar preços ou perder incentivo fiscal. Simular diferentes cenários desde já pode ser útil para antecipar impactos da Reforma Tributária na margem e evitar surpresas quando os novos regimes entrarem em vigor.
3. Tempestade perfeita (demografia + reforma)
O envelhecimento da mão de obra (agora com média acima dos 42 anos) engrena junto com as mudanças tributárias, formando uma “perfect storm” que afeta produtividade e custos. Além de aumentar o custo da construção, a escassez de profissionais também pressiona os prazos de entrega dos empreendimentos.
4. Esgotamento do funding tradicional
Financiar-se ficou mais caro com Selic alta e incertezas tributárias. A demanda por crédito supera a oferta e exige explorar fontes alternativas, como mercados privados ou parcerias. Portanto, buscar modelos criativos de funding pode garantir liquidez sem comprometer o controle do projeto.
5. Questão demográfica: migração e envelhecimento
Estados e cidades perderam população, enquanto centros costeiros crescem, em sua maioria. Para enfrentar fluxos migratórios e adaptar produtos para uma população que envelheceu, você precisa de uma análise de dados demográficos. Conhecer o perfil do novo morador é essencial para definir a tipologia do produto, e também os serviços e comodidades que devem ser oferecidos.
6. Envelhecimento das cidades
Mais da metade das cidades médias têm mais de 100 anos, com centros urbanos vazios ou degradados, apontados como oportunidade de renovação e uso inteligente de dados e tecnologia. Nesse sentido, projetos de retrofit, uso misto e reurbanização ganham espaço como soluções viáveis e rentáveis, especialmente em regiões centrais com infraestrutura instalada.
7. Sinais de esgotamento do modelo Minha Casa Minha Vida (MCMV)
O programa Minha Casa Minha Vida terá de passar por reestruturação, pois já mostra sinais de saturação, e quem atua em risco de concentração precisa diversificar. Estar atento aos sinais de revisão de faixas de renda, subsídios e exigências técnicas é importante para evitar quedas abruptas na demanda.
8. Especialização do mercado e disciplina de produto
À medida que o mercado amadurece, surgem nichos novos . Incorporadoras e construtoras precisam distanciar-se de estratégia generalista e segmentar ofertas com base em dados. A especialização aumenta a precisão e reduz o risco de encalhe, já que o produto é pensado sob medida para um público bem definido.
9. IA e inovação nos modelos de negócio
O ecossistema de construtechs/proptechs já soma mais de 1.200 no Brasil, com crescimento de 13,5 % em um ano. Isso abre espaço para uso de inteligência artificial em rotinas operacionais e estudos de viabilidade, reduzindo erros manuais e aumentando eficiência. Empresas que testam e adotam soluções tecnológicas desde a análise de terreno até o orçamento tendem a reduzir tempo e custo por projeto.
Qual é o futuro do desenvolvimento imobiliário?
O futuro do desenvolvimento imobiliário aponta para um setor mais complexo, profissional e orientado por dados. Já podemos parar de nos comportar como um mercado pequeno, com empresas pobres e sem dinheiro. O segmento se tornou maduro, com empresas capitalizadas, times mais técnicos e recursos para investir em pesquisa e tecnologia.
Esse amadurecimento leva inevitavelmente à especialização. Em vez de soluções genéricas, o caminho passa por produtos imobiliários pensados para nichos específicos: idosos, jovens adultos, centros urbanos, propriedades rurais, e até perfis com necessidades específicas.
O processo também exige uma nova postura na fase inicial dos empreendimentos. O setor deve começar a olhar para o desenvolvimento de produto como disciplina estratégica, afinal, a maior fatia da rentabilidade está no produto, não está no projeto. Ou seja, o ganho real acontece antes mesmo da contratação do terreno, ao definir corretamente o público-alvo, os atributos do imóvel e a sua viabilidade financeira.
Essa transformação cobra mais estudo, mais planejamento e mais foco. Para o profissional que deseja se destacar, é preciso entender que competir nesse novo ambiente envolve antecipar demandas, dominar dados e repensar processos com profundidade.

O novo caminho: repensando o produto imobiliário
O sucesso no desenvolvimento imobiliário passa por repensar a forma como os empreendimentos são planejados. A abordagem tradicional centrada em projeto já não dá conta da complexidade do mercado atual. É preciso tratar o produto como uma disciplina estratégica e antecipada, e não apenas como um desdobramento arquitetônico.
Produto é uma disciplina de negócio, projeto é uma disciplina de processo. Essa separação permite decisões mais acertadas, melhora a eficiência e, principalmente, define margens de forma mais precisa desde o início.
A seguir, um roteiro prático com base nos pilares apresentados na palestra:
1. Comece pelo insumo de mercado
A decisão sobre o que lançar começa com a leitura do território e do público. Hoje, com tecnologia e IA, é possível obter pesquisas rápidas, acessíveis e fáceis de interpretar. Cruzar esses dados com renda, perfil etário e dinâmica local evita lançamentos desalinhados ou com baixa absorção.
2. Defina as premissas arquitetônicas
Antes de contratar um projeto, é essencial ter uma ideia clara de produto. O produto trata de endereçar o negócio (tamanhos, tickets, áreas que agregam valor ao conceito, marca, posicionamento), pensar em como o empreendimento será vendido, quais os argumentos. Observar fatores importantes como iluminação, ventilação e áreas comuns realmente relevantes. Muitos empreendimentos acabam inflando áreas comuns desnecessárias por falta de definição estratégica.
Só depois disso é que efetivamente entramos em projeto. Isso economiza tempo e libera a criatividade do arquiteto para realmente criar uma solução interessante. Criatividade não é sobre liberdade, mas sobre equacionar as restrições.
3. Valide a viabilidade com profundidade
A análise deve ir além do custo por metro quadrado. É preciso simular o impacto de variações de juros, considerar regimes tributários futuros e antecipar cenários de venda. O ganho exponencial está antes de fechar o terreno — depois disso, a margem é limitada.
4. Estruture o time certo
A área de novos negócios não pode ser tratada como suporte. Ela deve ser protagonista. É esse time que escolhe o terreno, define o produto e estabelece a base para os próximos anos de operação. Ter estrutura e foco nessa etapa é o que diferencia empresas ágeis das que operam no improviso.
Conclusão
O desenvolvimento imobiliário entrou em uma nova era. O cenário atual, embora mais desafiador, também é uma oportunidade para evoluir. A maturidade do setor exige uma mudança de postura: dados no centro das decisões, tecnologia como aliada da eficiência e produto pensado como pilar estratégico do negócio.
Ignorar essas mudanças é correr riscos desnecessários. Incorporadoras, construtoras e imobiliárias que entendem essa transformação e se estruturam para ela estão saindo na frente, lançando empreendimentos mais bem posicionados, com maior liquidez e menor exposição ao erro.
A grande virada está na forma como cada empresa se prepara para o que vem pela frente. Ter uma boa adaptação às novidades do mercado é o que define quem segue crescendo e quem fica para trás.
Portanto, a pergunta que fica é: como sua imobiliária está se preparando para o futuro do setor?
Produzido por Fabricio Schveitzer

Conselheiro de Negócios da Softplan para a Indústria da Construção.
