A transformação digital está revolucionando a forma como a Construção Civil gerencia sua cadeia de suprimentos. Processos antes manuais e desconectados estão dando lugar a soluções tecnológicas integradas, trazendo agilidade e eficiência para um setor historicamente tradicional. Os impactos positivos já são visíveis: por exemplo, estima-se que até 30% dos materiais entregues em uma obra podem acabar desperdiçados quando não há um bom controle.
Falhas de comunicação e métodos antiquados de gestão geram desperdícios, retrabalho e atrasos, comprometendo os lucros dos projetos. Diante desse cenário, acelerar a digitalização não é mais opcional – “investir em plataformas digitais conectadas […] é um caminho sem volta”, como destacou Guilherme Quandt, Diretor de Estratégia e Mercado da Softplan para a Indústria da Construção, ao afirmar que já passou da hora de trocar a prancheta pelo tablet na gestão de obras.
A seguir, exploramos três frentes em que essa digitalização otimista do supply chain está transformando o setor: a modernização do estoque, o uso de Inteligência Artificial e a ascensão dos marketplaces digitais.
Estoque inteligente: RFID e agilidade na gestão de materiais
Um dos pilares da cadeia de suprimentos é a gestão de estoques – o controle de insumos e materiais nas obras e depósitos. Tradicionalmente, esse controle envolvia pranchetas, planilhas e conferências manuais, suscetíveis a erros e lentidão. A digitalização vem modernizar esse processo através de tecnologias como RFID (Identificação por Radiofrequência), códigos de barras avançados, sensores IoT e automação de almoxarifados.
Imagine poder localizar imediatamente um lote de tubos ou vigas dentro de um canteiro enorme, ou fazer a contagem de centenas de itens em segundos. Com etiquetas RFID anexadas aos materiais, isso já é possível. Um leitor pode identificar múltiplos itens simultaneamente sem contato visual, agilizando drasticamente inventários e auditorias. Os benefícios são claros:
- Velocidade e eficiência: a leitura automática de tags permite realizar inventários muito mais rápido do que pelos métodos tradicionais, liberando tempo da equipe para outras atividades. Recebimentos e conferências de materiais tornam-se quase instantâneos.
- Precisão e rastreamento: ao reduzir ao mínimo a intervenção humana, sistemas digitais eliminam erros de registro (como contagens duplicadas ou esquecidas) e fornecem rastreabilidade em tempo real – sabe-se exatamente o que está em estoque e onde está. Isso otimiza o uso dos insumos e reduz perdas por extravio ou vencimento.
- Controle e segurança: itens críticos não “somem” do canteiro sem registro. A tecnologia permite alertas automáticos se algo sai do perímetro ou se o nível de estoque cai abaixo do ideal, acionando reposição antes que falte material. Com dados protegidos e precisos, evita-se tanto o excesso de estoque (que imobiliza capital) quanto paradas de obra por falta de insumo.
- Menos desperdício e custo: um controle melhor significa menos sobras e desperdícios ao final da obra. Mesmo que implementar RFID exija investimento inicial, o retorno aparece na forma de menos compras urgentes de última hora (geralmente mais caras) e aproveitamento máximo dos materiais adquiridos. Menos desperdício também significa uma construção mais sustentável.
Outros setores já colhem esses frutos há décadas. Nos anos 80, a indústria automotiva padronizou códigos SKU para identificar cada peça, obtendo um sistema unificado de classificação e organização de itens em estoque. A Construção Civil caminha agora na mesma direção – ainda de forma tímida, mas acelerando.
Muitas obras no Brasil começaram a usar códigos únicos e etiquetas em materiais para melhorar o controle. Equipamentos e ferramentas podem ser rastreados no canteiro assim que são utilizados, evitando perda de equipamentos caros.
Em grandes construtoras, drones e leitores portáteis já auxiliam engenheiros no inventário periódico de materiais em depósitos, enviando dados automaticamente a softwares de gestão.
Combinado a sistemas de gestão (ERP) integrados, esse estoque 4.0 permite que o reabastecimento seja automático: quando a quantidade de um insumo atinge um limite mínimo, o próprio sistema pode disparar um pedido ao fornecedor. O resultado é um canteiro mais ágil, sem pausas por falta de material e sem montanhas de sobras ao final da obra.
IA na Construção: previsão de demanda e logística eficiente
Outra peça-chave da revolução digital é a Inteligência Artificial (IA), que vem se tornando uma grande aliada na previsão e no planejamento da cadeia de suprimentos. Na Construção Civil, onde prazos são apertados e atrasos custam caro, poder antecipar necessidades e otimizar a logística faz toda a diferença. Aqui, a IA brilha ao analisar enormes volumes de dados – algo praticamente impossível manualmente – para encontrar padrões e apoiar decisões inteligentes.
Previsão de demanda aprimorada
Utilizando algoritmos de machine learning, a IA consegue projetar com precisão quais materiais serão necessários, em que quantidade e quando, considerando fatores como o cronograma da obra, histórico de consumo em projetos similares, sazonalidades (por exemplo, período chuvoso pode diminuir o ritmo de certas atividades) e até tendências de mercado. Essas previsões mais acuradas evitam tanto faltas quanto excessos de estoque.
Empresas de construção já aplicam IA para planejar suas compras fase a fase: se um edifício terá a concretagem de lajes no próximo mês, o sistema antecipa a quantidade de cimento e aço necessária e sugere pedidos adequados – nem a mais, nem a menos.
Estudos indicam que as técnicas de previsão com IA reduzem erros nas estimativas em 20% a 50%, diminuindo em até 65% a chance de falta de materiais (ou vendas perdidas, no caso do varejo). Isso também se traduz em redução de custos de armazenagem (5% a 10% menores) e despesas administrativas (economia de 25% a 40%), graças a uma gestão mais enxuta e assertiva.
Logística inteligente
A mesma IA que prevê o que comprar também ajuda a otimizar como entregar. Com a digitalização, é possível planejar rotas de transporte mais eficientes, combinando entregas de diferentes insumos para o mesmo destino e evitando caminhões ociosos.
Algoritmos inteligentes conseguem considerar o trânsito nas cidades, janelas de recebimento no canteiro e até previsão do tempo para programar entregas – por exemplo, evitando levar materiais que não podem tomar chuva justamente num dia de tempestade. O resultado são obras abastecidas no momento certo, com menor gasto de frete e menor emissão de CO₂ (um benefício extra da eficiência logística).
Além disso, a IA contribui para uma gestão proativa de riscos na cadeia de suprimentos. Por meio de dashboards e modelos preditivos, um gestor consegue ser alertado com antecedência sobre potenciais atrasos ou problemas: se um fornecedor estratégico enfrenta instabilidades (políticas, econômicas ou produtivas), a IA pode sinalizar risco de quebra no fornecimento. Assim, a construtora pode buscar um plano B a tempo.
Da mesma forma, monitorando indicadores diversos, sistemas inteligentes priorizam fornecedores não só pelo preço, mas também pela confiabilidade nas entregas e qualidade do material. Esse cruzamento de dados permite selecionar parceiros mais confiáveis e até negociar melhor, apoiado em histórico de desempenhos.
No canteiro de obras digital, a IA também conversa com outras tecnologias. Integrada ao BIM (Building Information Modeling), ela pode vincular o modelo 3D da construção ao cronograma e ao plano de suprimentos, recalculando necessidades de material se houver mudanças de projeto. Em termos práticos, isso significa menos surpresas: a IA “sabe” que se uma parede adicional foi incorporada no projeto, serão necessários tijolos e argamassa extras – e já ajusta a previsão e os pedidos.
A logística também ganha em tempo real: sensores IoT nos caminhões podem alimentar um centro de controle com a posição exata das entregas, enquanto algoritmos re-roteiam veículos em caso de acidentes ou bloqueios no trajeto. Essa sincronia digital corta esperas desnecessárias e mantém a obra fluindo.
Como consequência, construtoras conseguem manter a mão de obra sempre ocupada, sem ficar parada esperando material chegar – um desafio que antes levava muitas empresas a pagar mais caro em compras de última hora só para não interromper os trabalhos.
Em suma, a IA traz para a Construção Civil uma capacidade preditiva e adaptativa inédita. Planejar com dados é planejar melhor: obras entregues dentro do prazo e do orçamento, com menos improviso e mais assertividade. E quando imprevistos acontecem (porque sempre podem acontecer), a resposta também é mais rápida e otimizada graças a sistemas inteligentes de apoio à decisão.
Marketplaces digitais: conectando compradores e fornecedores de materiais
A terceira grande transformação digital na cadeia de suprimentos da Construção é a popularização dos marketplaces online de materiais e insumos. Assim como já fazemos no dia a dia ao comprar eletrônicos ou pedir comida por aplicativos, o setor da Construção descobriu as vantagens de ter um “mercado digital” à disposição 24 horas por dia para comprar e vender materiais.
Estamos falando de plataformas online que conectam compradores (construtoras, empreiteiros, lojistas) e vendedores (fabricantes, distribuidores, varejistas de materiais), de forma centralizada e transparente.
Por que os marketplaces estão ganhando espaço?
Em parte, foi uma resposta natural aos desafios logísticos e de distanciamento que a pandemia de Covid-19 trouxe. Muitas empresas que antes compravam material “batendo perna” de loja em loja ou via telefone foram obrigadas a migrar para o atendimento digital e nunca mais voltaram atrás.
Descobriram um modelo muito mais conveniente: em vez de fazer dez ligações para cotar preço de cimento, agora é possível comparar ofertas de dezenas de fornecedores com poucos cliques na plataforma.
Essa mudança de hábito é impulsionada pelos benefícios tangíveis que os marketplaces oferecem:
- Variedade e competitividade: plataformas reúnem centenas de fornecedores e milhares de produtos em um só lugar. O comprador tem acesso a uma variedade muito maior do que conseguiria contatando fornecedores individualmente. Essa diversidade aumenta a chance de encontrar exatamente o produto necessário e favorece preços competitivos, pois diferentes vendedores disputam a venda.
- Comodidade e agilidade: o processo de compra se torna 100% online, disponível 7 dias por semana. Um engenheiro de suprimentos pode fazer pedidos à noite, depois do expediente, ou agendar entregas para o horário que preferir sem precisar conciliar agendas por telefone. Como afirmou Juliana Carsoni, CEO da Juntos Somos Mais, plataforma que já reúne mais de 100 mil lojistas de construção, com o marketplace “aquele pequeno varejista […] pode escolher horários mais convenientes – seja antes de abrir ou no final do expediente – e comprar de vários fabricantes ao mesmo tempo. Isso muda e facilita bastante a rotina”.
- Transparência e negociação: os marketplaces geralmente exibem avaliações de vendedores, prazos de entrega estimados e detalhes de cada produto, trazendo transparência a um processo antes marcado por incertezas. Alguns funcionam via pedidos de orçamento: o comprador lista os materiais e recebe cotações de múltiplos fornecedores competindo pelo pedido, podendo negociar preços em um ambiente controlado. Tudo fica registrado na plataforma, facilitando o acompanhamento de pedidos e gastos por projeto.
Os números comprovam a escala e o potencial desses marketplaces na Construção Civil. Globalmente, as vendas online de materiais de construção vêm crescendo – previu-se que alcançariam US$ 1 trilhão em 2023 – e no Brasil vemos movimentos similares.
Vale notar também que os marketplaces estimulam a digitalização dos próprios fornecedores. Muitos lojistas de material de construção, que antes atuavam só localmente, passaram a vender online para todo o país através dessas plataformas, aprendendo a precificar melhor e melhorar seus prazos para ganhar reputação.
Ou seja, cria-se um círculo virtuoso de inovação que profissionaliza o setor como um todo, do fabricante de cimento até o mestre de obras comprando pelo aplicativo.
Conclusão: Construção conectada e sem volta
O avanço digital na cadeia de suprimentos da Construção Civil traz uma mensagem clara: este é um caminho sem volta rumo a maior produtividade e competitividade.
A gestão de estoques inteligente reduz desperdícios e garante materiais na hora certa; a Inteligência Artificial antecipa demandas e otimiza cada entrega; os marketplaces digitais conectam toda a cadeia, do grande fornecedor ao pequeno construtor, num ecossistema integrado. Tudo isso converge para obras mais eficientes, sustentáveis e lucrativas.
Importante destacar que a transformação digital vai além de instalar um software – é uma mudança de cultura e processos. Envolve treinar equipes, revisar fluxos de trabalho e estar aberto a novas ideias.
Haverá desafios no percurso, mas os benefícios compensam: empresas que adotam essas inovações já colhem ganhos em tempo, custo e qualidade de projeto. No Brasil, embora muitas construtoras ainda estejam iniciando essa jornada, casos de sucesso e investimentos crescentes indicam que estamos nos aproximando de um ponto de virada.
Em um setor em que cada dia conta e cada desperdício pesa no orçamento, aproveitar as ferramentas digitais do supply chain pode ser o diferencial entre ficar parado no passado ou liderar o futuro.
A boa notícia é que a tecnologia está mais acessível do que nunca – e o setor da Construção Civil tem à sua disposição soluções antes inimagináveis. O futuro digital do supply chain já começou e pinta um cenário otimista: o de uma Construção Civil mais conectada, colaborativa e preparada para os desafios do século XXI. Quem investir nessa evolução agora estará, sem dúvida, construindo um legado de eficiência e inovação para os próximos anos.
Produzido por Luiz Henrique A. Escobar
Sócio e CEO da Venddor Tecnologia. É especialista em varejo e e-commerce, com passagens por Carrefour, Buscapé, Multiplus e Americanas.
Luiz Escobar é presença confirmada no Construsummit 2025
O Construsummit 2025 é uma verdadeira imersão em temas-chave para o futuro da Construção Civil – como é o caso da cadeia de suprimentos. O evento acontece dias 4 e 5 de junho em Florianópolis, Santa Catarina.
No evento, Luiz aprofundará ainda mais como a transformação digital e a tecnologia têm impactado a Indústria da Construção – e o que as construtoras precisam fazer para não ficarem para trás.
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